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Costa Pinto: Administração do BdP nunca recebeu alerta de risco do BES ser controlado através do Luxemburgo

A comissão independente “chegou à conclusão, em momentos distintos, que uma atuação mais enérgica do Banco de Portugal poderia ter evitado ou minimizado problemas” no BES. O autor do relatório conhecido por Costa Pinto foi hoje ouvido no Parlamento na primeira audição da CPI ao Novo Banco.
10 Março 2021, 12h13

O antigo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, João Costa Pinto, inaugura as audições da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

O autor do chamado relatório Costa Pinto, que analisou a atuação do Banco de Portugal na resolução do BES, começou por dizer “hoje não mudava nada no relatório”.

João Costa Pinto explicou que a tarefa de liderar a comissão independente que iria fazer “uma autópsia” à atuação do BdP foi-lhe atribuída pelo então Governador Carlos Costa, não como presidente do Conselho de Auditoria, mas como grande especialista no setor financeiro.

Costa Pinto aceitou a tarefa na condição de poder escolher, ou aceitar, os membros da comissão independente que iria avaliar a atuação do BdP no grupo BES, para saber o que “correu bem e o que correu menos bem”. Exigiu ainda que não houvesse uma limitação ao acesso da informação, nem uma limitação ao horizonte temporal.

Este foi um exercício inédito, explicou, que não só não tem tradição em Portugal como não tem tradição na Europa Continental.

“Foi uma decisão algo corajosa”, disse Costa Pinto sobre a decisão de Carlos Costa.

As opiniões do Relatório Costa Pinto são opiniões da comissão independente (com cinco elementos), que foi feito com a ajuda de uma equipa técnica interna e externa (Boston Consulting Group).

Os deputados questionaram o ex-quadro do BdP sobre o destino dado ao relatório, que ficou “no cofre”. Costa Pinto é da opinião que esse relatório devia ter sido alvo de uma análise e até validação interna “não consigo encontrar uma explicação para o destino que foi dado ao relatório”. Teria permitido fazer ao BdP fazer uma avaliação do que falhou. “Para se mudar tem de se reconhecer que se errou”, diz.

O relatório que avalia a atuação do BdP até à Resolução de 2014 foi concluído em 2015.

O relatório Costa Pinto diz que havia uma nota dos serviços de supervisão do regulador bancário que alertava para o risco de o BES ter como casa-mãe uma sociedade com sede no Luxemburgo – a ESFG. O alerta dos técnicos ao risco de o BES ter uma casa-mãe no Luxemburgo foi feito em 2011.

A nota interna alertava para os aspetos muito negativos desse facto. Nomeadamente alertava para o facto de a ESFG poder abrir filiais em paraísos fiscais escapando ao controle do Banco de Portugal.

Uma das falhas do Banco de Portugal apontada nesse relatório é que essa nota nunca chegou ao Conselho de Administração do Banco de Portugal.

Recorde-se que na altura a supervisão bancária estava a cargo do então vice-governador Pedro Duarte Neves.

João Costa Pinto alertou para o facto de o Grupo Espírito Santo (GES) ter sido construído sobre uma grande fragilidade financeira, ou seja, dívida. Remete assim o problema do BES para o tempo de regresso da família Espírito Santo à reconstrução do grupo nos anos 80, depois de ter sido descapitalizado pelo PREC, em 1975.

Decorrente da grande fragilidade financeira em que estava alicerçado em dívida, o GES chegou a ter a parte não financeira financiada em 70% a 80% pela ESFG (parte financeira). As empresas do grupo não geravam cash flow suficiente.

O BES ultrapassou os limites dos grandes riscos.

O relatório chama a atenção para a enorme acumulação de responsabilidades de administradores que estavam simultaneamente nas sociedades financeiras e nas sociedades não financeira do GES. Isto é, os administradores eram os mesmos de um lado e doutro (do lado de quem pedia o crédito e do lado de quem autorizava o crédito).

Portanto, o relatório Costa Pinto concluiu que devia ter havido uma atuação da supervisão “mais cedo” (e não apenas no final do processo) e “mais enérgica”.

A comissão “chegou à conclusão, em momentos distintos, que uma atuação mais enérgica do Banco de Portugal poderia ter evitado ou minimizado problemas” no BES.

“A supervisão não atuou em tempo útil, com a energia que devia ter atuado”, disse lembrando que “isso não afasta a responsabilidade da gestão do GES”.

“Uma atuação sobre este grupo não se podia limitar a ser uma intervenção ao nível técnico, de supervisão”, dada a dimensão do BES e a sua importância para o sistema financeiro português, diz Costa Pinto.

O ex-presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal lembrou que “o país estava a sair de uma crise financeira gravíssima”, com implicações sobre a economia. “O GES, e em particular o BES, era uma instituição sistémica de enorme importância”, sendo que “quase 70% do ativo do BES era crédito a empresas”.  Eram quase “50 mil milhões de euros de crédito a empresas, mais do que a ajuda que esperamos receber da Europa”, disse.

O relatório aponta ainda falhas na relação da CMVM com o Banco de Portugal, e que são responsáveis pelas perdas dos clientes do BES e ESFG que compraram títulos da ESI e outras empresas não financeiras do GES aos balcões dos bancos. Pois o ringfencing, decretado pelo BdP, determinava a falência dessas empresas do grupo e com isso determinava as perdas dos clientes das empresas financeiras do GES, em “efeito dominó”.

“Quando o grupo Espírito Santo começou a utilizar esquemas laterais para continuar a financiar-se – face aos obstáculos que o Banco de Portugal ia impondo – utilizou fundos que se destinaram a financiar dívida das empresas não financeiras, e houve inclusive emissão de papel comercial, por parte da ESI, uma das holdings onde foi identificada uma grande fraude contabilística”, explica.

“Se a ESI ficasse insolvente isso implicava a perda por parte dos acionistas do controle sobre o próprio BES. Por isso, o supervisor teve uma atuação atempada, enérgica? A articulação entre o BdP e a CMVM foi sempre a mais adequada? O relatório fez uma apreciação disso e acha que não”. Mas faz mais “chama a atenção para a necessidade de haver uma revisão de todo o sistema de supervisão financeira, incluindo a criação do Conselho Nacional de Supervisão”, referiu.

Outro tema revelado nesta audição diz respeito à supervisão à exposição do BES ao BES Angola. O modelo de negócio do BESA diferia de todos os modelos dos bancos angolanos detidos por bancos portugueses. Estes tinham um modelo assente na captação de recursos locais (o rácio de transformação rondava de 40% a 50%.  No BES esse rácio de transformação chegou a ser 200%. Ou seja, dependia do financiamento da casa-mãe BES.

“A exposição do BES ao BESA chegou, no final, a ser de 50% dos fundos próprios”. A supervisão conhecia a elevada exposição do Grupo BES a Angola. “Estava nas contas, isso era público”, mas a supervisão não atuou, recorda João Costa Pinto.

Desde 2008 até 2013 a exposição ao BESA passou de 1,7 mil milhões de euros para 3,3 mil milhões.

Para isto deu explicações. A supervisão fazia a análise em base consolidada no BES e ESFG, e não se preocupou com as relações internas do próprio grupo.

“O BESA [BES Angola] sempre deu lucros e portanto nunca foi verdadeiramente uma preocupação da supervisão. E bem? Não, mal! Porque a exposição ao BESA, num mercado com aquelas características, era suficiente em termos materiais para ter alertado a supervisão e iniciado uma atuação em tempo útil”, referiu.

O ex-quadro do Banco de Portugal falou a certa altura também da atuação da troika, que criou uma tranche de 12 mil milhões de euros para ajudar a banca no programa de resgate ao país. O BES foi o único grupo sistémico que não recorreu. E porque? Porque atrás do apoio vinha as obrigações de controlo, com repercussões ao nível da administração e dos acionistas (e a administração de Ricardo Salgado não quis).

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