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Coutinho, símbolo de resistência em Portugal

O edifício Jardim, localmente conhecido como prédio Coutinho, tem a sua desconstrução prevista desde 2000, ao abrigo do programa Polis. No entanto, a batalha judicial iniciada pelos moradores tem travado este projeto até à exaustão.
  • Arménio Belo/Lusa
21 Julho 2019, 16h00

O processo de demolição do prédio Coutinho é uma batalha que dura há quase 20 anos e os moradores foram-se habituando a resistir. Em 2006, ignorando as ameaças de demolição do prédio Coutinho, em Viana do Castelo, a administração do condomínio avançou com obras de pintura e embelezamento exterior. Uma intervenção orçamentada em cerca de 500 euros para cada condómino, mas que era a prova de que os moradores estavam confiantes de que os tribunais lhes irão dar razão e travar a ideia de demolir o prédio. A autarquia pretendia demolir o edifício até Setembro desse ano.

Estas pequenas obras exteriores serviam para tornar o edifício ainda mais atraente e normalmente eram sempre feitas de dois em dois anos. No final do Verão desse ano estariam agendadas mais algumas obras no edifício, nomeadamente pintura de grades e limpeza de estores.

Eduardo Teixeira, antigo morador e presidente da concelhia do PSD de Viana do Castelo, foi viver para o edifício com três anos e só saiu em 1998, com 25 anos, para casar. “Lembro-me de um sítio com condições de habitabilidade fortes, convivência familiar entre vizinhos e em que quem morava nos andares mais acima tinha uma vista panorâmica”, recorda ao Jornal Económico.

O político explica ainda que se pode questionar a estética e o enquadramento do prédio, mas o imóvel foi fruto da época. De facto, há mais de quatro décadas um imóvel alto no centro da cidade significava pujança e desenvolvimento económico. “O Estado nunca deveria ter deixado chegar a situação a este ponto. É lamentável o espetáculo de desumanidade e de falta de bom senso que o país assistiu durante uma semana inteira, de verdadeiro bullying aos habitantes daquele edifício, independentemente das decisões judiciais”. O antigo morador e presidente da concelhia do PSD revela ainda que assistiu a vários familiares em desespero a entregar comida aos últimos residentes do Coutinho. Aproveitavam a troca de turnos da polícia para entregarem à pressa os alimentos por uma corda, visto que quem saísse arriscava-se a já não poder entrar.

Um caso político
No dia 1 de junho de 2000, quando José Sócrates era ministro do Ambiente e Defensor Moura presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, foi apresentado o Programa Polis de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Viana do Castelo, que previa a demolição deste edifício, invocando razões estéticas: era “dissonante” da linha urbanística do Centro Histórico de Viana do Castelo e, assim, uma “intrusão visual”.

No ano seguinte, a autarquia afirmou que o prédio Coutinho era um entrave à candidatura de Viana do Castelo como uma das cidades Património Mundial da UNESCO. José Sócrates voltou a reforçar em 2005 o seu apoio à demolição do edifício que, nas suas palavras, era “contra a memória e a identidade” do centro histórico da cidade. “Chegou o momento de fazer o que devemos fazer para terminar com os erros urbanísticos do passado, e se há erro urbanístico que atenta contra a memória e identidade do centro histórico de Viana do Castelo é o prédio Coutinho”, disse na altura.

O edifício Jardim, localmente conhecido como prédio Coutinho, tem a sua demolição prevista desde 2000, ao abrigo do programa Polis. No entanto, a batalha judicial iniciada pelos moradores travou este projeto iniciado quando António Guterres era então primeiro-ministro e José Sócrates ministro do Ambiente.

A Sociedade VianaPolis iniciou os trabalhos de desconstrução do edifício no dia 24 de junho, na sequência de uma decisão da Justiça. Mas no dia 1 de julho o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga aceitou a providência cautelar dos moradores do prédio Coutinho.

De acordo com o advogado dos moradores, Vellozo Ferreira, citado pela imprensa, aquela decisão tem efeitos suspensivos da ação de despejo, pelo que exige a reposição da água, luz e gás que, entretanto, foram cortados. “Os moradores podem entrar e sair livremente do prédio”, salientou, acrescentando que esta decisão vem colocar um “ponto final no atentado” feito aos moradores. Segundo Vellozo Ferreira, o despacho proferido “representa o culminar de uma semana de atentado aos direitos mais fundamentais”. Antes disso, em relação aos processos judiciais pendentes, o advogado explicou que se relacionam com a legalidade da expropriação do prédio e com o pedido de anulação dessa expropriação.

Para Vellozo Ferreira, já teria decorrido “um prazo suficiente para que a declaração de utilidade pública da expropriação já não seja válida”.

Já esta segunda-feira, 1 de julho, o cordão humano agendado em defesa de uma saída “digna e ordeira” dos últimos moradores do prédio Coutinho foi cancelado, anunciou a mentora da iniciativa. Em nota publicada na rede social Facebook, Elisabete Pinto refere que o cancelamento decorre da “reposição das condições mínimas de habitabilidade” do prédio.

No mesmo dia, a sociedade VianaPolis informou que vai pedir a “revogação do despacho” da providência cautelar movida pelos moradores no prédio Coutinho, aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga e que suspende o despejo iniciado há oito dias. A sociedade refere ter sido notificada da decisão, mas adianta que irá contestar a mesma por considerar que “a ação é igual à anterior providência cautelar que já foi decidida pelo mesmo Tribunal e totalmente favorável à VianaPolis”, em 2018.

O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, acabaria por apelar aos proprietários para que abandonassem as suas casas e se pudesse demolir o edifício. “Os abusados somos mesmo nós, os poderes públicos, porque há 19 anos que as pessoas sabem que têm de sair”, garantiu o governante, questionado sobre o corte de vários serviços ao edifício, como água e gás, enquanto seis apartamentos continuam ocupados por pessoas que se recusam a sair. O ministro frisa que está em causa o interesse público e que os moradores não estão a cumprir uma ordem judicial.

“Peço às pessoas para saírem. Todas as suas garantias estão de pé, tudo o que lhes foi oferecido está de pé. Têm uma casa à espera delas, se optarem por isso. Há seis ou sete apartamentos que ficaram por vender para esse caso. E, se não o desejarem, há uma indemnização fixada em tribunal. Como sabem, para estes casos ainda são 1,9 milhões de euros que estão à conta do tribunal para serem entregues às pessoas para que possam fazer a sua vida noutro sítio”, acrescentou o ministro do Ambiente.

Este braço de ferro levou ainda a uma petição online. Mais de um milhar de pessoas já a subscreveram a medida contra a demolição, considerando que “não é ético nem decente” obrigar pessoas a sair de casa só por questões estéticas.

A petição pela manutenção do prédio acrescenta ainda que os moradores vivem “há mais de 18 anos num permanente estado de angústia e incerteza”, continuando a lutar pelas suas casas. “Têm toda a razão em resistirem ao recusarem-se a abandonar as suas habitações”, sublinha. Diz ainda, entre outros pontos, que “a destruição de um valioso património em bom estado de conservação, como é o prédio Coutinho, por causa da sua estética, é chocante e inaceitável num país com tantas carências”.

A implosão das torres da Torralta
A história de Tróia confunde-se com a da Torralta – Club Internacional de Férias, empresa dos irmãos José e Agostinho Silva, que criaram naquela península do distrito de Setúbal o primeiro conceito de casa de férias em Portugal. Constituída em 1967, a Torralta pretendia lançar o turismo de massas (tal como já acontecia no Algarve) em Tróia preparando-a para 70 mil camas. A Torralta financiou os seus empreendimentos nas poupanças de cerca de 35 mil pequenos acionistas, que foram atraídos através da venda de contratos de ocupação temporária, títulos de férias e títulos de ocupação, remunerados a uma taxa de juro anual muito atrativa, de 12 por cento – semelhante ao time-sharing. Quatro anos depois, pouco depois do 25 de abril, a empresa entrou em falência. As condições de mercado já se tinham alteradas e o modelo de financiamento sofreu uma quebra tremenda. Começou então a fase da degradação dos imóveis e os turistas desapareceram gradualmente. O empreendimento acabou nas mãos do Estado, que em 1988 resolveu vendê-lo à Sonae.

No dia 8 de setembro de 2005, mal recebeu o sinal, o então primeiro-ministro, José Sócrates, detonou os 95 quilos de explosivos e fez implodir duas das seis torres do complexo turístico da Torralta, em Tróia. A implosão decorreu conforme era esperado, totalmente controlada, e fez elevar uma nuvem de fumo que cobriu a zona durante cerca de quatro minutos.

Houve muitas palmas, um espetáculo de segundos para todos verem e admirarem, mas muitos dos sadinos que assistiram à implosão torceram o nariz ao novo empreendimento, receando que as praias passassem “a ser apenas para os ricos”.

Em Setúbal foram distribuídos oito mil binóculos para que todos pudessem ver a implosão e as festas da cidade antecipadas um dia. Mas as opiniões dividiram-se entre a apreensão, a aprovação e o otimismo reservado.

Autarcas e governantes e o próprio Belmiro de Azevedo, na altura líder da Sonae, tinham opinião bem diferente. Sócrates disse que aquele era um projeto que “honra Portugal, é o que eu chamo um trabalho bem feito”. E continuou: “É um bom projecto para o turismo, mas também para o ambiente. E foi o primeiro projecto deste Governo de interesse nacional”.
Primeiro-ministro nessa altura, Sócrates sublinhou ainda que “o investimento de 400 milhões de euros e o trabalho direto e indireto têm grande importância não só na região, mas também para todo o país”. Trata-se, acrescentou, de um “projeto muito importante do ponto de vista económico e mostra também grande confiança na economia portuguesa, no seu futuro”

O já falecido Belmiro de Azevedo alinhou no mesmo tipo de discurso. Considerou que o projeto de Tróia teria de ser competitivo a nível nacional e internacional. “Tem que criar riqueza, postos de trabalho e também conseguir reduzir o défice do Estado”. O presidente da Sonae lamentou, no entanto, que tivessem sido necessários oito anos para o processo ser iniciado. “Foi muito tempo de paralisia burocrática”. De facto, Tróia é, hoje em dia, um dos destinos preferidos dos portugueses.

Artigo publicado na edição nº 1996, de 5 de julho, do Jornal Económico

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