Esta é uma crise diferente e única. Estamos a viver um choque em simultâneo do lado da procura e da oferta, ambas em retracção, num contexto de política monetária sem eficácia, apesar das taxas de juro próximas de zero ou negativas, e com uma rede de integração global das cadeias de fornecimento. Esta é uma pandemia que não poupa ninguém.

Estiveram bem o Presidente da República e o primeiro-ministro, na declaração e implementação do estado de emergência. Está em causa a nossa saúde e a nossa própria sobrevivência. Todas as horas são decisivas para tentar mitigar o número de mortos e para implementar o brutal desvio de recursos que vai ser necessário para combater esta pandemia.

A Covid-19 e o seu efeito destruidor sobre as nossas vidas, os sistemas de saúde e o emprego dependem de um trio de competências onde tudo se joga: colocar a taxa de retransmissão abaixo de 1; implementar políticas que preservem os postos de trabalho e rendimentos dos trabalhadores; e fornecer liquidez abundante, e tendencialmente grátis, às empresas.

Não haja ilusões. Vai ser necessário fazer muito para poupar, na medida do humanamente possível, os trabalhadores e as famílias, agora e sempre os grandes esquecidos do poder político e empresarial.

Vai ser preciso preservar os rendimentos dos trabalhadores que tiverem que prestar assistência aos filhos, após a quinzena inicial de encerramento das escolas. Este ano não há férias da Páscoa e os trabalhadores não devem ser minimamente penalizados por uma medida de elementar segurança e combate à pandemia, como é o caso do encerramento, potencialmente sine die, das escolas, determinada pelo Estado. Ou pelo decorrente cumprimento do dever legal de assistência aos seus filhos. Sim, é uma obrigação, não é uma opção.

Por outro lado, precisamos que os mecanismos de suspensão dos contratos de trabalho, vulgo lay-off, sejam mais simples, mais directos, sem presumir que as empresas terão tesouraria para adiantar a parte da Segurança Social.

Necessitamos, ainda, que os trabalhadores afectados por lay-off, extinção de postos de trabalho, não renovação dos contratos a prazo, ou pelo encerramento das empresas, vejam grande parte do seu rendimento preservado. Nunca menos de 80%. É patético estabelecer limites superiores para subsídios de desemprego/lay-off tão baixos que não permitem, para uma pandemia que queremos debelar em algumas semanas ou meses, que se preserve a capacidade de viver, comer, pagar a educação dos filhos ou a renda das casas.

É imoral fingir que interpretações restritivas do salário-base correspondem à remuneração dos trabalhadores, tal como querer atribuir subsídios a calcular sobre baixos salários-base. Seria melhor e mais justo respeitar o conceito de remuneração mensal efectiva.

Todos os indícios mostram que esta pandemia vai afectar de forma desproporcional muitos sectores e países. O turismo e o acolhimento, enquanto sectores, e os países em que o PIB está orientado para os serviços, vão ser os maiores perdedores. Sim, isso mesmo. Na Europa, os países do sul irão liderar o pelotão onde os impactos económicos e o sofrimento das famílias, dos trabalhadores e das empresas serão maiores.

Está na mão da nossa ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social mostrar de que fibra é feita: queremos sujeitar os trabalhadores portugueses ao maior choque de que há memória e arriscar a sua (in)solvência financeira (os tempos da troika, por comparação, irão parecer uma mera brincadeira), ou vamos optar por preservar a sua dignidade e a sua capacidade de voltarem rapidamente ao mercado laboral?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.