[weglot_switcher]

BlackRock baixa recomendação das ações norte-americanas de ‘overweight’ para ‘neutral’. Mercado de dívida privada tem oportunidades de rentabilidade

A BlackRock apresentou esta quinta-feira a estratégia de investimento que foi ajustada tendo em conta o impacto da pandemia na economia e na sociedade. A maior gestora de ativos do mundo defende agora que os investidores devem dar primazia às ações europeias e ao mercado do crédito, nomeadamente dívida corporativa e soberana dos países da periferia europeia.
9 Julho 2020, 13h21

Em seis meses, os impactos económicos da Covid-19 ditaram um ajustamento da estratégia investimento da BlackRock. A maior gestora de ativos do mundo — com cerca de 7,4 biliões de dólares em ativos sob gestão — recomendou a revisão do posicionamento estratégico das carteiras para que os investidores consigam alcançar os objetivos de longo-prazo.

Numa teleconferência realizada esta quinta-feira, onde a BlackRock apresentou o outlook de investimento o resto de ano, intitulado “The future is running at us”, André Themudo, responsável pelo desenvolvimento de negócio da BlackRock em Portugal e do negócio de “wealth” para a Península Ibérica, vincou que “a situação da Covid-19 está a criar novos padrões e acelerar tendências estruturais”.

André Themudo salientou que “temos de mudar a maneira como investimos, ter uma carteira mais diversificada e com outro tipo de ativos que não tínhamos em conta”. Face à estratégia estratégia de investimento para 2020, anunciada no final do ano passado, a BlackRock alterou a recomendação de investimento em ações norte-americanas de underweight para neutral, subiu a recomendação em dois pontos para as ações europeias, de underweight para overweight, preconiza uma maior exposição a crédito (dívida empresarial) e uma menor exposição a obrigações soberanas, uma vez que questiona se este tipo de ativos de renda fixa “diversificam [atualmente] como diversificavam”.

Regra geral, existem diferentes tipos de ativos num carteira de investimento. Uma recomendação overweight significa uma maior exposição a uma determinada classe de ativos porque se considera que vai ter um desempenho positivo no futuro, por oposição a uma recomendação underweight, que traduz uma menor exposição a um tipo de ativos uma vez que se antecipa que terá um desempenho menor face ao benchmark. Já uma recomendação neutral significa que o desempenho futuro de um determinado ativo estará em linha com o benchmark.

Nesta nova conjuntura, criada pela pandemia, o responsável identificou cinco tendências que influenciam a seleção de ativos que vão compôr a carteira de investimento dos clientes. Há agora uma tendência de desglobalização com “impacto nas cadeias de suprimentos”, aliada ao impacto desigual do vírus nas economias mundiais e à densificação em investimento sustentável, numa altura em que os “bancos centrais estão a atingir o limite das suas políticas de risco” e num contexto financeiro de baixas — e até negativas — taxas de juro.

No mercado acionista em geral, a BlackRock tem uma recomendação neutral devido “à incerteza sobre os resultados e os dividendos” das empresas. Mas, em termos regionais, nomeadamente nos Estados Unidos e na Europa, a pandemia provocou um ajustamento estratégico da BlackRock. Por um lado, baixou a recomendação da exposição de ações norte-americanas de overweight para neutral e, por outro lado, aumento a recomendação do investimento em ações europeias de underweight para neutral

“Nas ações norte-americanas baixámos a recomendação de overweight para neutral por causa do excelente comportamento relativo nos últimos meses, com avaliações um pouco esticadas demais e esta é uma das razões porque fizemos um downgrade“, disse André Themudo. “Também vemos a maneira como os Estados Unidos estão a gerir a crise pandémica e achamos que outras regiões a estão geri-la de uma forma mais eficaz. O reativar das tensões entre os Estados Unidos e China não ajudam e, por último,  [poderá haver] alguma volatilidade no último trimestre por causa das eleições presidenciais. Por estas razões e por alguma fadiga da política monetária da Reserva Federal, decidimos baixar a nossa recomendação para as ações norte-americanas”, explicou.

Apesar do aumento dos casos de Covid-19, os principais índices bolsistas norte-americanos têm registado uma tendência de subida e, ainda que a BlackRock considere que existam “avaliações esticadas” em algumas ações, regra geral, os preços destes títulos “refletem a economia real”, disse André Themudo.

“Pelo tecido empresarial nos Estados Unidos, há muitas empresas tecnológicas e, tendo em conta o confinamento, o preço das plataformas tecnológicas está a refletir a economia real: as pessoas utilizam mais o Zoom, estão a ver mais a Netflix porque estão mais em casa, estão a consumir mais na Amazon porque têm medo de ir aos supermercados. Portanto, nesse aspecto, está a refletir os nossos comportamentos. É verdade que o mercado subiu muito, mas também é verdade que o mundo em geral mudou completamente os comportamentos, o que beneficiou empresas como a Amazon. Temos de ter cuidado e essas é uma das razões por que baixamos a recomendação de overweight para neutral”, explicou o responsável da BlackRock.

Em particular, identificou dois setores importantes na economia norte-americana: a saúde e a tecnologia. Na saúde, considerou que “investimento está mais do que justificado” — e que a Covid-19 até acentuou mais — por várias razões. Está a ser canalizado muito capital para combater a pandemia, como também em “biotecnologia, equipamento sanitário e médico”, surgindo ainda “diferentes tipos de hospitais e e de empresas que estão a entrar no mercado que fazem com que a inovação na medicina venha a acentuar-se ao longo do tempo”.

O envelhecimento populacional é outra tendência que justifica o investimento neste setor. “No mundo há mais população com mais de 65 anos do que crianças com menos de cinco anos, se não me engano. Estamos a cruzar um dado histórico de envelhecimento populacional e está provado que uma pessoa com mais de 65 anos gasta três vezes mais dinheiro em saúde do que uma pessoa com menos de 65 anos. Isto é uma tendência multigeracional”, vincou o responsável da BlackRock.

Nas ações europeias, André Themudo justificou o “grande movimento” na recomendação da BlackRock por causa “da natureza cíclica da economia” e também devido a uma “maior coordenação entre os Estados na defesa da crise pandémica”.

“Achamos que as empresas europeias estão melhor preparadas para enfrentar a reativação da economia. Se olharmos para o principal índice bolsista europeu, os setores mais expostos são os mais cíclicos — nos Estados é o contrário —, a Europa sempre teve uma exposição a setores mais cíclicos devido ao seu tecido empresarial e nós achamos que a recuperação que está a acontecer vai beneficiar estes setores. Se compararmos os estímulos de França, Alemanha e Reino Unido em 2008 e [com os de agora], multiplicámos por dez o valor destes estímulos e em alguns casos ultrapassam 30% do PIB destes países”, realçou.

Investimento em crédito: dívida corporativa e da periferia europeia

Nos ativos de renda fixa, a BlackRock identifica oportunidades de ganhos no mercado do crédito, nomeadamente em obrigações empresariais. De acordo como outlook da gestora de ativos, “temos agora uma recomendação overweight em crédito porque a expansão dos spreads compensam os riscos de incumprimento”.

André Themudo explicou que o peso dos mercados privados no mercado cresceu para 6% não só porque há mais startups que precisam de financiamento privado antes de entrarem em bolsa, mas também porque “há cada vez mais empresas que não estão cotadas em bolsa por variadíssimas razões, como escrutínio associado”. E isto pode ser um benefício para investir, por exemplo, em empréstimos obrigacionistas porque, quanto menor o escrutínio sobre uma empresa, menor é a sua transparência, potencialmente maiores serão os ganhos (e as perdas). No entanto, “é do interesse da empresa privada dar mais informação para captar mais investidores”, realçou o responsável da BlackRock.

Ainda no mercado do crédito, a BlackRock tem agora uma recomendação de overweight na dívida soberana periférica europeia, em dívida investment grade high yied.

Ainda que recomende uma abordagem seletiva, André Themudo revelou que a recomendação de investimento em crédito da BlackRock “é transversal”. “Nas obrigações, achamos que o custo de oportunidade de entrar num ativo mais arriscado, como high yield, vai compensar pela rentabilidade. Em investment grade achamos que a ampliação dos spreads pode dar um bom ponto de entrada neste momento”.

Apesar de o relatório da BlackRock ser uma análise global, André Themudo explicou que, dentro da dívida soberana periférica europeia está a dívida soberana portuguesa. “Quando falamos de periféricos, Portugal está incluído e está muito presente nas carteiras dos nossos clientes”, vincou.

Quanto ao investimento em obrigações do Tesouro norte-americano, a BlackRock mantém-se positiva, uma vez que as considera como um “contrabalanço de eventuais quedas” e “uma fonte de diversificação”. Diferentemente, as bunds alemãs, continua com uma recomendação underweight porque “a yield é muito baixa para absorver potenciais choques”.

Investimento sustentável como porta de entrada nos mercados emergentes

A componente de governança do investimento sustentável ou investimento ESG — que se desdobra na temática ambiental (“E”),  social (“S”) e de governação das empresas (“G”)  — acentuou-se com a Covid-19 e constitui uma porta de entrada para investir em empresas dos mercados emergentes.

“Quando investimos em fundos ESG, a componente “G” em mercados emergentes tem uma importância muito relevante. Em países emergentes há mais corrupção, são mais opacos, e ter um filtro ESG permite combater essa problemática. Uma das formas de investir em mercados emergentes é através de fundos ESG que têm uma componente de governance muito forte. É uma das razões que através desta crise, investimentos sustentáveis tiveram rentabilidades mais altas e volatilidades mais baixas do que investimentos tradicionais.

Diferentemente, nas empresas das economias ocidentais, a vertente mais tradicional do investimento sustentável tem sido o investimento verde, no sentido estrito da palavra, isto é, com motivações ambientais. Mas também aqui a pandemia veio alterar um pouco o panorama. “Hoje em dia, com a Covid-19, o mais relevante é a letra “S”, na componente social do investimento ESG, disse André Themudo.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.