COVID-19 e os mercados de crédito

A epidemia do COVID-19 é um daqueles eventos de risco que representa um duro teste à confiança dos investidores, e em particular à robustez das avaliações dos mercados acionistas, por três motivos.

Em primeiro lugar porque é um verdadeiro cisne negro: um evento quase impossível de prever, cujas consequências também são muito difíceis de antecipar e que podem ter uma magnitude sistémica a nível global. Em segundo lugar porque à medida que as medidas de contingência têm sido implementadas na China, alargadas a vários países na Ásia – e até à Europa neste fim-de-semana – se tem tornado evidente que esta epidemia vai ter como consequência um significativo abrandamento económico não só na China, como a nível global. Acho que é inglório e até ingénuo tentar prever o impacto à décima do percentual do PIB, mas é cada vez mais provável que haja uma pequena recessão global. Em terceiro porque surge num momento em que as avaliações do mercado acionista se encontram caras segundo as métricas mais tradicionais.

Até hoje, o mercado acionista estava a digerir os desenvolvimentos em torno da epidemia com alguma suavidade (ao contrário do mercado obrigacionista), mas a notícia de que o vírus surgiu em Itália nos últimos dias, e de que aparentemente se consegue alojar sem revelar sintomas, levou a um reality check que está a causar uma correção de mais de 3% nos mercados desenvolvidos na sessão de hoje.

Apesar do mercado acionista ser normalmente o que mais atenção atrai nestes momentos de incerteza, é para o mercado de crédito que devemos olhar nos próximos dias/semanas. É através dele que um abrandamento económico pontual e gerível se pode transformar num evento de risco sistémico difícil de gerir. Por enquanto ainda não existem sinais para grande preocupação nos spreads de crédito, mas devemos manter-nos atentos.

A sabedoria de Buffett, para variar…

A carta que Warren Buffett envia todos os anos aos acionistas do Berkshire Hathaway pode por vezes parecer repetitiva para quem a lê na íntegra, mas não deixa de ser uma fonte de sabedoria sobre investimentos e mercados acionistas. Este ano, Buffett voltou a reforçar o que tem advogado desde alguns anos para cá: perante um ambiente de taxas de juro baixas e perante a expetativa de que este ambiente se mantenha, o mercado acionista como um todo continua a ser uma opção de investimento atrativa. Buffett acrescentou contudo um aparte acerca do mercado acionista que espelha a sua sabedoria. Disse que, no entanto, tudo pode acontecer ao mercado amanhã, que existem ocasiões em que podem acontecer correções 50% ou mais… O que me leva ao terceiro destaque do mês.

Tesla = canábis?

Elon Musk reforçou ao longo dos últimos meses o seu estatuto de “Iron Man” do mundo real, Tony Stark da não ficção, graças ao desempenho estratosférico das ações da Tesla (subiram mais de 300% desde junho de 2019), mas existem poucos que conseguem explicar este desempenho. Mesmo que a Tesla consiga efetivamente deixar para trás mais de uma década de prejuízos anuais consecutivos – como os últimos trimestres levam a crer – é difícil de imaginar como é que a empresa vai atingir resultados que justifiquem uma avaliação acima dos 150 mil milhões de dólares (cerca de 138 mil milhões de euros). Maior do que qualquer outra fabricante de automóveis.

Faz lembrar de várias maneiras o que se passou com o sector ligado à canábis no final de 2018 (a Canopy Growth, a maior empresa do sector actualmente, subiu mais de 600% entre 2017 e 2019, mas já caiu mais de 60% desde então). Mas o que é que a Tesla e as empresas ligadas à canábis têm em comum? Não muito para além do facto de entregarem consecutivos prejuízos, prometerem altos crescimentos e terem uma história sexy por trás dos seus investment cases.

No caso da canábis relativa ao potencial do produto para fins medicinais e recreativos, no caso da Tesla relativa à capacidade do seu CEO, Elon Musk, e à visão de um futuro sem energias fósseis. Resta saber se as ações da Tesla vão ganhar mais um ponto em comum com o sector da canábis e corrigir uma grande parte dos ganhos que geraram no último ano. Por provável que isso possa parecer, eu não me atreveria a apostar nisso. Se por um lado o mercado acionista pode corrigir repentinamente, como apontou Buffet, ele também se pode manter irracional durante bastante tempo.