A pandemia que vivemos atualmente, com largas fatias da população mundial em risco de ficar em quarentena, por força do risco de contágio do Covid-19, trará inevitavelmente graves consequências económicas e orçamentais, assim como uma expectável mudança nos hábitos de consumo.

Nos próximos meses assistiremos, por certo, a um acréscimo do consumo à distância, sejam eles serviços de base digital ou as compras de bens por via eletrónica. Se já era uma tendência, a economia digital tenderá a crescer exponencialmente nos próximos meses impulsionada pelo medo e receio de contágio.

Sendo este um assunto eminentemente de saúde pública, rapidamente escalará para outros patamares da discussão política face ao declínio acentuado da atividade económica com inevitáveis repercussões nas contas públicas, em particular nas receitas fiscais, com menos receita de IRC e IVA.

Ao menor consumo privado sem setores tradicionais como as viagens, bens de luxo, automóveis, hotelaria e distribuição, teremos por certo uma explosão do consumo de bens e serviços com uma componente digital, o que acelerará, inevitavelmente, a necessidade de um acordo político global sobre a tributação da economia digital. Conforme anunciado a 30 de janeiro do corrente ano, tal acordo político deverá ser alcançado até final de 2020 sob a égide da OCDE e o denominados Pilares Um e Dois do BEPS.

Até à presente data, a resposta dos Estados tem sido descoordenada mediante a adoção de medidas unilaterais.

Se é verdade que a maioria dos Estados não introduziram qualquer imposto digital, existem outros que ajustaram a sua legislação em sede de IVA de forma a sujeitar a tributação o consumo de bens de natureza eletrónica – invertendo a regra de localização de tais operações da sede do prestador para a residência do adquirente – e uma minoria crescente que resolveu criar um imposto tecnológico (Digital Services Tax), como é o caso da França, Espanha, Reino Unido ou Canada só para citar alguns. O caso francês foi, aliás, paradigmático pois mereceu uma forte reação da parte dos Estados Unidos que ameaçaram com sanções económicas e imposição de tarifas adicionais sobre os produtos franceses.

Um acordo político foi alcançado em Davos, com a França a aceitar a suspensão da cobrança do seu imposto digital até final do presente ano, esperando, assim pelo acordo global a ser alcançado no seio do G20. Este tipo de tensões poderá, aliás, agravar-se no atual contexto que vivemos, com os Estados Unidos a defenderem que os princípios de tributação mínima e nexus a impor às empresas tecnológicas deverão assumir uma natureza “opcional” (safe harbour), permitindo às empresas optar ou não pela sua adesão.

Em termos muito gerais, pois que a complexidade do tema não se compagina com as limitações de um artigo desta natureza, sempre se dirá que o Pilar Um assenta num princípio de sujeição de tributação mínima das empresas de cariz tecnológico nos Estados onde desenvolvem as suas atividades (o Estado do consumo ou da fonte), independentemente de aí disporem de qualquer presença física.

Apurando-se o rendimento global da multinacional, uma determinada percentagem acima de um teto mínimo será alocada aos diversos Estados onde a empresa desenvolve a sua atividade consoante um conjunto de indicadores ainda em discussão.

Na prática, prevêem-se diversos layers de distribuição da receita (com três tipos de forma de determinação do rendimento sujeito a tributação) consoante o nível de atividade desenvolvida no Estado da fonte, devendo estas regras aplicar-se a multinacionais com um volume de negócios acima de um determinado patamar (fala-se em 750M). Ficariam abrangidas por estas regras as empresas digitais e as empresas de venda de bens de consumo à distância. De fora ficam setores como os serviços financeiros, transportes aéreos e marítimos ou indústrias extrativas.

O novo nexo territorial deixa de ser a presença física num dado território para passar a ser o local onde as vendas são realizadas, sendo criadas diversas regras e fórmulas passíveis de complementar as atuais regras em matéria de preços de transferência. Questões como neutralizar os efeitos da coexistência de diversos modelos de negócio, dimensão dos mercados, resolução de conflitos e dupla tributação são alguns dos temas objeto de negociação para os próximos meses.

Uma coisa é certa, perante esta pandemia e crise de dimensão global, parece inevitável uma resposta global para a tributação da nova economia. A alternativa seria irrealista, com uma propagação galopante de medidas unilaterais e um acréscimo da conflitualidade fiscal e concorrência fiscal entre Estados. O Covid-19 veio para ficar, mesmo que sob forma digital.