Em declarações à agência Lusa, a investigadora Conceição Calhau, da NOVA Medical School e da unidade de investigação CINTESIS, que coordenou este trabalho, explicou que a equipa concluiu “que a severidade [da infeção] sendo maior, a diversidade do microbiota intestinal era menor”.
“Há três tipos de desequilíbrio da flora intestinal: ou temos mais patogénicos, ou menos dos que são bons, ou então temos um terceiro, que é muito frequente, que é ter menos de tudo, portanto, menor diversidade”, disse a investigadora, explicando que a maior monotonia de bactérias se deve muitas vezes à “rotina de estilos de vida errados e que vão potenciando sempre as mesmas bactérias a estarem presentes”.
“As outras todas começam a ficar enfraquecidas se não tem substrato no fundo para viverem”, acrescentou.
Este estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pela Biocodex, é o primeiro realizado na Europa sobre o impacto da microbiota (conjunto de bactérias) intestinal na severidade da covid-19 e envolveu 115 portugueses com diagnóstico da doença em diversos hospitais de norte a sul do país. Decorreu entre abril e julho de 2020.
“A transmissibilidade do vírus era enorme, mas os sintomas e a doença da covid, sobretudo nos quadros mais severos, eram uma percentagem menor e estávamos a falar de indivíduos com obesidade, com hipertensão e com diabetes. (…). De facto, aqueles que têm em comum uma alteração da flora intestinal”, explicou Conceição Calhau.
Em declarações à Lusa nas vésperas do Dia Mundial da Microbiota, que se assinala no domingo, a especialista contou: “Nós temos percebido que estes seres que convivem connosco, principalmente esta parte da flora intestinal, as bactérias no intestino, têm um papel muito importante metabólico, ou seja, aquilo que são os nossos estilos de vida e a nossa alimentação vai alterando estes microrganismos de forma a associar-se depois à obesidade, à diabetes, às doenças cardiovasculares, ao cancro, etc”.
Conceição Calhau lembra igualmente que o desequilíbrio da microbiota está muito associado a quadros inflamatórios e que, por isso, doenças como a diabetes ou a obesidade têm em comum “um processo de inflamação crónica de baixo grau”.
“Sabe-se já que esta característica da microbiota, que é uma disbiose, um desequilíbrio, está fortemente associada a esta resposta inflamatória e, por outro lado, a própria capacidade do sistema imunitário de resposta é diferente porque as bactérias no nosso organismo vão estando em tudo o que é contacto com o meio exterior e o nosso organismo. Estão em locais de barreira e o intestino é um deles”, afirmou.
Sublinha ainda a importância destas bactérias para “apresentarem ao sistema imunitário aquilo que é a informação mais importante”.
“Vão apresentar ao organismo aquilo que efetivamente é bom, que não é bom, ou seja, o que é que do próprio, e o organismo sabe reconhecer, e aquilo que não é do próprio. E no que não é do próprio, aquilo que é ou não uma ameaça”, explicou a investigadora.
Conceição Calhau insiste na importância deste equilíbrio: “O sistema imunitário vai-se desenvolvendo muito nesta sintonia com estes microrganismos”.
Referindo-se às conclusões da investigação que coordenou, Conceição Calhau exemplificou: “Para uma diversidade inferior a 2.2, o risco de ter um quadro severo é 2,85 vezes maior. (…) De facto, se tenho microbiota com índice de diversidade menor significa que tenho muito maior risco para ter um desenvolvimento menos positivo da doença e, portanto, quadros mais severos”.
Nos doentes envolvidos no estudo havia “uma impressão digital de microbiota”, afirmou a especialista, sublinhando: os que estavam internados “tinham muito mais bactérias, que utilizam mais as proteínas animais como substrato energético, e muito menos daquelas que utilizam as fibras e que são as que produzem compostos que são protetores para o organismo”.
Disse ainda que não tem dúvidas de que com a pandemia as pessoas ficaram mais sensíveis relativamente a assuntos relacionados com a alimentação e os estilos de vida.
“Em termos científicos e médicos a microbiota intestinal é o assunto dos últimos 15 anos. Começou com a sua forte ligação à obesidade e já estamos na sua forte ligação às doenças mentais”, afirmou a investigadora, frisando: “Isto também vem reforçar que temos que cuidar destes microrganismos desde cedo”.
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