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Covid-19: Perda de receitas na aviação civil supera valor do PIB português

Em menos de dois meses, a Covid-19 arrasou o transporte aéreo mundial, pondo em risco mais de 2,7 milhões de empregos diretos, bem como 65 milhões de empregos no resto da cadeia de valor do setor. Associação mundial IATA diz que a perda de receitas das empresas está estimada em 233,2 mil milhões de euros se a pandemia durar três meses.
28 Março 2020, 09h00

“Sem ajuda financeira, as companhias aéreas vão à falência. E isso pode acontecer em massa”. Este alerta foi feito na passada terça-feira por Alexandre de Juniac, um dos gestores do setor da aviação civil mais experientes a nível mundial. Atualmente, o gestor ocupa o cargo de presidente executivo da IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo, com sede em Montreal, no Canadá, que representa companhias de todo o mundo. Juniac já foi presidente da AF – Air France, tendo sido, logo a seguir, igualmente presidente do consórcio AF-KLM, que integra a Sky Team, um dos principais concorrentes da Star Alliance, “liderada” pela Lufthansa e a que a TAP está associada. Assim, a 24 de março, Alexandre de Juniac afirmou que o “transporte aéreo está a viver a sua crise mais profunda de todos os tempos”, com o montante total das perdas de receitas previsivelmente superior ao total da economia portuguesa no ano passado.

“A 5 de março dissemos que o setor seria confrontado com um cenário de perda de receitas da ordem dos 113 mil milhões de dólares [cerca de 104,5 mil milhões de euros]”, recordou nesta semana Alexandre de Juniac, adiantando agora que, face ao agravamento da crise da Covid-19, se a pandemia “durar três meses, assistiremos a uma queda de 38% na procura global e enfrentaremos uma perda de receitas de 252 mil milhões de dólares [233,2 mil milhões de euros]”, o que corresponde a uma “queda de 44% face a 2019”. Trata-se de um valor superior ao PIB português em 2019, que, segundo a Pordata, ascendeu a 212,2 mil milhões de euros.

Neste enquadramento de crise, qual é agora a atividade das transportadoras aéreas? “Onde se mantém o tráfego internacional de passageiros, estamos a repatriar pessoas para os seus países de origem, conforme os governos permitem. E também estamos a entregar bens vitais – medicamentos e equipamentos para combater o vírus, ou produtos mais sensíveis destinados às cadeias de distribuição globais”, explicou o CEO da IATA, sintetizando assim a atividade atualmente desenvolvida pelas companhias de aviação. “As receitas caíram abruptamente. E nenhuma redução de custos pode salvar a atividade se não houver dinheiro a entrar nas companhias”, adianta.

Entre as 290 companhias associadas da IATA – que tem 480 parceiros estratégicos e 100 mil agentes acreditados –, são reportados 1,1 milhões de voos cancelados até 30 de junho, refere a IATA.

Companhias europeias preveem perder receitas de 70,3 mil milhões de euros
No mesmo sentido, o economista-chefe da IATA, Brian Pearce, esclareceu que a previsão de perda de receitas nas companhias europeias é da ordem dos 76 mil milhões de dólares (cerca de 70,3 mil milhões de euros), agravando em 32,1 mil milhões de euros (cerca de 29,7 mil milhões de euros) as previsões de perda de receitas na região da Europa com que a IATA trabalhava a 5 de março, e que rondavam os 43,9 mil milhões de dólares (cerca de 40,6 mil milhões de euros).

Segundo Brian Pearce, as perdas de receitas estimadas pelas companhias de aviação são lideradas pela região da Ásia-Pacífico, com perdas de 88 mil milhões de dólares (cerca de 81,4 mil milhões de euros), seguindo-se a Europa, com os referidos 76 mil milhões de dólares, e a América do Norte, com perdas de 50 mil milhões de dólares (cerca de 46,2 mil milhões de euros). Ao contrário das anteriores pandemias, esta será seguida por “uma recessão económica profunda”, pelo que, “desta vez, a recuperação pode não ocorrer seis meses após a crise”, adianta Brian Pearce, explicando que “antes de qualquer recuperação, o impacto imediato será severo”. O economista-chefe da IATA refere que “as companhias aéreas ficarão sem dinheiro antes da recuperação chegar”, e acrescenta que “a companhia aérea típica tinha dois meses em dinheiro no início deste ano”.

“Deixar cair este setor terá um impacto que pode ir muito além dos empregos e da subsistência dos 2,7 milhões trabalhadores das companhias aéreas. E também muito além dos 65 milhões de outros empregos mantidos na cadeia de valor. Se não tivermos um setor de aviação civil viável, quando sairmos desta crise o reinício da economia global será severamente restringido em quase todos os setores. E todo mundo sofrerá muito mais tempo do que o necessário”, comenta Alexandre de Juniac.

“Felizmente, muitos governos entendem o papel crítico da aviação. Há países comprometidos com apoios financeiros ao setor, como Singapura, China, Hong Kong, Austrália, Brasil, Nova Zelândia, Qatar, Colômbia, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Vários outros governos estão em fase de consideração – incluindo um pacote de 58 mil milhões de dólares nos Estados Unidos e medidas de apoio significativas do Banco Central Europeu”, conclui o CEO da IATA.

Derrocada na aviação ocorreu em menos de dois meses
O mais impressionante é que este “inferno” em que se transformou o setor da aviação civil ocorreu em menos de dois meses, tendo início em fevereiro, quando Israel fechou o tráfego aéreo com a China e a Nova Zelândia proibiu a entrada de estrangeiros vindos da China. Quase em simultâneo, Taiwan anunciou a proibição de estrangeiros que estiveram na China, Macau e Hong Kong nos 14 dias anteriores e a seguir proibiu a entrada de turistas. A Coreia do Sul, fez o mesmo. O Reino Unido e a França desaconselharam todas as viagens para a China continental. As autoridades de Hong Kong foram as primeiras a impor a quarentena obrigatória no início de fevereiro a quem chegava da China continental. Nessa altura, o nível da epidemia da Covid-19 aumentou na China levando ao bloqueio e restrições de viagens, que se estenderam se a mais de 760 milhões de pessoas na China.

Na primeira quinzena de fevereiro, a China anunciou medidas de apoio às companhias, desde a oferta de subsídios às que começaram a voar novamente para a China entre 30 de janeiro e 30 de junho ao apoio a operações de reestruturações e fusões entre companhias aéreas, incentivadas pela Administração da Aviação Civil da China – entre as quais uma possível fusão da Lucky Air e da Okay Airways com a HNA.

De 16 a 23 de fevereiro, os problemas no setor aumentaram significativamente. A Rússia proibiu todos os cidadãos chineses de entrarem no país, o Irão impôs limitações aos movimentos na cidade onde foi registado um disparo no número de casos da Covid-19 e os EUA emitiram alertas de viagem nível 2, isto é, aconselharam grande cautela nas viagens para o Japão e para a Coreia do Sul. Israel estendeu a proibição de entrada a pessoas que tenham estado no Japão e na Coreia do Sul.

Na semana bissexta, de 24 a 29 de fevereiro, na região da Lombardia, surgiram problemas graves e foi publicada a lista de cidades que ficam completamentos bloqueadas em Itália. A Arábia Saudita suspendeu os vistos de entrada para peregrinação. O Iraque proibiu reuniões públicas e limitou a entrada de viajantes oriundos de nove países, incluindo o Bahrain e o Kuwait.

A grande tragédia na aviação civil surgiu em março. Na semana de 1 a 7, em Xangai, foi imposta a quarentena para viajantes vindos de países atingidos pelo coronavírus. Na mesma altura, a Lufthansa anuncia a paragem de 150 aviões (dos quais, 125 de médio curso e 25 de longo curso) devido ao cancelamento de voos. A United Airlines reduziu voos nos EUA e voos internacionais devido a quebra na procura, cortando 10% dos seus voos domésticos e 20% dos internacionais programados até abril. A Delta anunciou a redução de voos para o Japão até 30 de abril. A Japan Airlines e a All Nippon Airways reduziram os voos domésticos. A Japan Airlines e a All Nippon Airways deram o reembolso total dos bilhetes. A Southwest Airlines admitiu a redução da operação. O Grupo Lufthansa cancelou 7.100 voos em março. A JetBlue reduziu a sua capacidade em 5%. A TAP cancelou mil voos entre março e abril. A Brussels Airlines reduziu voos europeus em 23%. A Hong Kong Airlines cancelou voos. A Lufthansa encetou conversações com os governos da Alemanha, Bélgica, Áustria e Suíça, e com as autoridades da União Europeia, considerando um pedido de ajuda dos governos dos países onde tem as suas unidades. A chanceler Angela Merkel traçou um plano de mitigação dos danos causados pelo vírus, com investimento de 12,4 mil milhões de euros adicionais entre 2021 e 2024, levando a Alemanha dar os primeiros passos na ajuda a todos os afetados pela pandemia.

De 8 a 14 de março dispararam os anúncios sobre suspensões de voos. A grande maioria das frotas de aviões ficou estacionada nos aeroportos. A EgyptAir suspendeu voos para a Arábia Saudita. Espanha cancelou voos de e para Itália. A British Airways cancelou voos de e para Itália. Portugal suspende voos para Itália durante 14 dias. Ryanair e British Airways cancelaram todos os voos para Itália até abril. Trump impôs restrições de viagens e proibiu entrada de cidadãos do espaço Schengen durante 30 dias. Pequim anunciou restrições de viagens e obrigou ao isolamento de 14 dias a todos aqueles que retornem à cidade. A Polónia proibiu a entrada de estrangeiros não residentes durante 10 dias.

A El Al, companhia israelita, suspendeu grande parte das suas rotas. A Turkish Airlines suspendeu rotas para nove países europeus. A Wizz Air e a Ryanair suspenderam todos os voos de e para a Polónia. A Turquia suspendeu viagens de e para Alemanha, Espanha, França, Áustria, Noruega, Dinamarca, Suécia, Bélgica e Holanda até 17 de abril. A LOT Polish Airlines anunciou a suspensão de todos os voos da Polónia e Hungria a partir de dia 15 de março durante 10 dias. A United Airlines reduziu a capacidade europeia. A Lufthansa parou a sua frota A380. A Austrian Airlines cortou a rede europeia em 20%. A American Airlines reduziu a capacidade internacional para o pico de verão em 10%, incluindo um corte de 56% na capacidade dos seus voos do longo curso. A Delta Airlines anunciou cortes entre 20% e 25% nos seus voos internacionais e 10% a 15% nos seus voos domésticos e suspendeu sete rotas europeias. A Norwegian cancelou três mil voos entre março e junho (15% da sua capacidade total) e anunciou a demissão temporária até 50% dos funcionários, o parqueamento de 40% da frota e o cancelamento de 25% dos voos de médio curso até ao final de maio.

Tragédia no final de março
Chegado à segunda quinzena de março, o setor desespera. A United Airlines cortou 50% da sua capacidade entre abril e maio e negoceia redução de salários. A Easyjet admite parqueamento de aviões. A Virgin Atlantic espera parquear 85% da sua frota. A Ukraine International Airlines tem suspensos todos os voos internacionais até 31 de março. O Grupo Lufthansa reduz os seus voos até 90%. A Cathay Pacific vende seis aviões Boeing 777-300ER à BOC Aviation. A Air France decidiu paralisar toda a sua frota de Airbus A380 e a KLM tomou igual decisão para os seus aviões Boeing 747. A Qantas reduz capacidade internacional em 90% e a capacidade doméstica em 60% até ao final de maio. A Air Baltic cessa operações até 14 de abril.

A Scandinavian Airlines suspende temporariamente cerca de 80% dos voos e 90% do pessoal. O Grupo IAG (British Airways/Iberia) reduz capacidade em 75% entre abril e maio. O governo britânico admitiu que terá conversações à medida que cresceram pedidos de intervenção do Estado. O Virgin Group solicita um apoio de até 7,5 mil milhões de dólares para resgatar a indústria da aviação no Reino Unido.

As alianças de aviação civil – a Star Alliance, a One World e a SkyTeam – oficializam pedido de assistência extraordinária. As três maiores dos Estados Unidos (Delta, American e United) iniciaram conversações com a Casa Branca, pedindo um pacote de ajuda que pode chegar até aos 50 mil milhões de dólares.

A nórdica SAS admitiu estar em conversações com os governos sueco e dinamarquês sobre possíveis medidas de apoio. O ministro das Finanças da Holanda disse que o país fará tudo o que for necessário para manter a Air France-KLM em operação. O Governo francês disse o mesmo. E a Comissão Europeia já admitiu apoiar companhias aéreas com subsídios e suspensão de pagamento de impostos. Neste enquadramento, a portuguesa TAP aguarda a todo o momento que surja uma solução para os seus problemas.

Artigo publicado no Jornal Económico de 27-03-2020. Para ler a versão completa, aceda aqui ao JE Leitor

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