Durante o Séc. XXI temos vindo a assistir a um conjunto variado de fenómenos que, quer a nível local quer global, nos tem atingido de forma abrupta, inesperada e com consequências profundas nas comunidades direta e indiretamente afetadas.

Enumeram-se casos de (i) ataques terroristas, como o do 11 de setembro de 2001, (ii) catástrofes naturais, como o tsunami no Índico, em 2004, e o furacão Katrina, em 2005 e (iii) crises económico-financeiras, designadamente as de 2008 e de 2011.

Se é verdade que todas estas crises tiveram graves consequências económicas e sociais, também é possível afirmar-se que todas elas espoletaram comportamentos questionáveis por parte de vários agentes inseridos nas diferentes comunidades afetadas, numa clara tentativa de enriquecimento e aproveitamento com base no caos.

A pandemia de Covid-19, à semelhança dos casos acima, é incontornavelmente mais uma crise. Mas não é uma crise qualquer. Para além de ser uma crise com impacto nos quatro cantos do mundo, com origem de índole sanitária mas com um impacto imenso ao nível económico e social, é uma crise que perdurará por tempo indeterminado, com estágios de intensidade imprevisíveis e que embora dependa de todos nós, não é controlada por nós.

O contexto atual trouxe forçosamente às organizações desafios acrescidos na sua forma de atuar. Na grande maioria dos casos, a primeira preocupação das empresas divide-se entre ajustar e preservar o seu negócio, tentando assegurar os postos de trabalho dos seus colaboradores, e ainda em aplicar medidas de proteção que promovam a segurança de todos os seus stakeholders. É neste clima de mudança e de adaptação constantes que surgem as maiores oportunidades para os defraudadores. Vejamos alguns exemplos:

  • Teletrabalho – incentivado e promovido pelas organizações em que o convívio presencial entre os colaboradores é dispensável, o teletrabalho abre uma janela de oportunidades não só para crimes cibernéticos, como também para a fraude ocupacional;
  • Redução de recursos – devido à necessidade de contenção de custos e/ou de assegurar as funções operacionais do negócio, as funções de controlo são tipicamente as primeiras a sofrer cortes financeiros, humanos e tecnológicos em tempos de crise, promovendo a oportunidade para um aumento da fraude interna;
  • Alteração/incumprimento de processos e de procedimentos – a redução de pessoal, motivada por medidas de contenção de custos, ausências temporárias de colaboradores e/ou alocação de colaboradores a temas relacionados com a crise, conjugada com a pressão para manter o negócio a operar, tende a promover falhas e o contorno de processos e procedimentos internos, situação que também contribui para um aumento da fraude interna e externa;
  • Pressão para manter/atingir objetivos – A pressão que pode surgir, tanto de investidores, como das chefias diretas, para manter objetivos pode originar o aumento da fraude interna, nomeadamente através da manipulação de informação financeira e operacional, ou o recurso a práticas de suborno ou violação das regras da concorrência.

Não é apenas por existir um enquadramento histórico sobre eventos de fraude em momentos de crise que respondemos afirmativamente à existência de um risco acrescido de fraude durante a pandemia de Covid-19. É também por estarmos convictos que, por tudo o descrito acima, está formada a tempestade perfeita para os defraudadores (internos e externos) surgirem.

Caberá às organizações o exercício complexo, mas necessário, de acrescentar às suas principais prioridades uma atenção redobrada a sinais externos e internos que indiciem atividades fraudulentas, quer através da manutenção/reforço dos controlos internos, função de auditoria interna e também do seu sistema de compliance.