Na análise microeconómica convencional, uma intervenção de política justifica-se sempre que existam falhas de mercado, ou seja, em que o comportamento dos mercados gere ou menos benefícios ou mais custos do que os que seriam obtidos através de uma solução centralizada.

Nesta conceção, dicotómica, o setor privado é encarado como superior ao setor público e o efeito do movimento dos mercados superior ao da atuação do Estado, pelo que a intervenção deste último só é legitimada se puder melhorar o bem-estar social. O corolário lógico deste raciocínio é reduzir o Estado a um mínimo de funções que incluem promover a concorrência e destituir todas as formas de poder de mercado, obstáculos ao progresso. Sendo mais ineficiente por natureza, deveria sobretudo criar as condições para ter um setor privado dinâmico e inovador.

Esta visão descura a importância da escala na economia e não só coloca o Estado ao mesmo nível de um mercado como olha para a economia como um somatório de ações independentes de agentes económicos. Esquece ainda que a relação do setor privado com o Estado é ambivalente, repudiando-o fortemente, enquanto reivindica o direito a ser socorrido a cada percalço.

A produção de inovação tecnológica pertence ao leque de falhas de mercado, que reclamam regulação pelo Estado. Paul Romer, Nobel da Economia em 2018, demonstrou que o crescimento económico é o resultado da acumulação de novas ideias, quando a sua produção é protegida por um sistema de patentes. Sendo imateriais, as ideias podem ser utilizadas por todos em simultâneo, não existindo, do ponto de vista económico, rivalidade no seu consumo.

Todavia, a mesma imaterialidade que permite a rápida disseminação da inovação, também facilita a sua cópia e apropriação por terceiros – os free riders. E assim se exige a intervenção minimalista do Estado que, neste contexto, deverá criar incentivos à produção de novas ideias. O Estado nas economias modernas resolve este dilema por intermédio de um sistema de patentes cujo objetivo é conceder, a uma empresa que inove, um monopólio temporário sobre propriedade intelectual e assim obter um lucro extraordinário capaz de a compensar pelos custos incorridos com a inovação.

Na recente corrida à produção de uma vacina para a Covid-19, para fomentar a investigação, segundo a cartilha económica, o Estado deveria assegurar o direito de patente, leia-se monopólio temporário, a cada empresa farmacêutica que usasse recursos próprios na descoberta da vacina. Na verdade, dada a urgência e a escala do problema em mãos, a opção recaiu pela injeção de avultados fundos públicos na investigação conducente à nova vacina, financiando diretamente as farmacêuticas, estratégia que foi bem-sucedida.

Numa perspetiva económica, a intervenção pública ter-se-á antecipado à falha de mercado garantindo assim, esperar-se-ia, beneficiar do usufruto generalizado desta inovação. Também é sabido que há muito que dinheiros públicos sustentam a investigação no setor da saúde, colaboração que tem conduzido a progressos notáveis. E, como tem sido enfatizado pelo trabalho da economista Mariana Mazzucato, sabe-se ainda que a inovação é um processo cumulativo mais do que o resultado de atos isolados de agentes privados, onde o Estado tem frequentemente um papel determinante enquanto catalisador da produção de novo conhecimento.

O que tem faltado, na recente discussão sobre vacinas e na colaboração entre Estado e setor privado em matéria de inovação em geral, é a coragem de reivindicar, por um lado, a função que pode ser desempenhada pelo Estado (e, já agora, pelas instituições internacionais enquanto extensão deste a nível global) e, por outro, o usufruto coletivo possível daquela que é uma realização conjunta. Com financiamento público na produção de ideias, manter o direito de propriedade intelectual nas mãos do setor privado é equivalente a atribuir um duplo prémio à inovação e assim ficar duplamente refém da prática “ganhos privados, custos públicos”.

A teoria económica deve dar uma ajuda nesta matéria, revendo-se e assumindo o que intui há muito: que, em matéria de inovação, entre muitas outras, as eficiências do mercado têm custos elevados e que o setor público, com a sua escala, é muito mais do que um mero internalizador de falhas de mercado. No fim, o Estado terá contribuído para aquilo que a teoria já aprova: alcançar o bem-estar social.