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Crédito ao consumo devia ter sido incluído na moratória pública, dizem especialistas

Na ‘web conference’ “30 a 3”, promovida pelo Montepio Crédito e da qual o JE é media partner, representantes do crédito ao consumo, lançaram farpas à moratória pública, considerando que deveria ter incluído este tipo de crédito. A ASFAC, associação do setor, diz que vai estudar se a sua moratória “é suficiente” para atenuar o impacto da crise nos clientes das instituições de crédito especializado.
  • Cristina Bernardo
15 Junho 2020, 14h44

A Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC) poderá vir a implementar outras soluções para minimizar o impacto da crise económica sentida pelos clientes que contratam crédito ao consumo. António Menezes Rodrigues, presidente da ASFAC, revelou que a associação vai aferir se moratória que criou é, ou não suficiente.

“Concluímos que a perda de rendimento provocada pela pandemia encontrámos uma solução equivalente à da moratória pública no sentido de dar um respaldo às dificuldades das famílias. São elegíveis, para se conceder a moratória, as pessoas e os agregados familiares que tiveram perda de rendimento. É isso que estamos a fazer. Vamos ver se a solução é suficiente e, se não for, teremos de estudar soluções”, disse, na web conference “30 a 3”, moderada pelo diretor-adjunto do JE, Shrikesh Laxmidas, e que debateu o tema “Crédito aos consumidores: consumo ou investimento”, com representantes do setor, como Pedro Gouveia Alves, presidente do Montepio Crédito, Vinay Pranjivan, economista da DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, Rui Sabino, CEO da MediCapilar, Ricardo Ferreira, general manager da jp.di e Luís Sena, diretor comercial do segmento de crédito ao consumo do Montepio Crédito.

A moratória da ASFAC, que é de iniciativa privada e de adesão voluntária por parte das associadas, complementa a moratória pública, vigora até 30 de setembro de 2020.

Vinay Pranjivan, economista da DECO, aproveitou a discussão sobre a moratória da ASFAC para criticar a moratória pública, criada pelo Governo, e que na semana foi atualizada aquando da apresentação do Programa da Estabilização Económica e Social, que pretende alongou o prazo da moratória pública até 31 de março de 2021 e passou a incluir o crédito contraído e por emigrantes e para o financiamento da educação.

Para o economista da DECO, a solução do Executivo deveria incluir o crédito ao consumo. “No nosso entender falhou redondamente. Parece-me o afastar da realidade portuguesa. Desde logo dissemos que o crédito ao consumo deveria ter sido na moratória pública e acompanhado os mercados europeus vemos que Espanha, Irlanda, Alemanha e polónia, incluíram o crédito ao consumo nas moratórias públicas. Portanto não faz sentido, que um mercado como nosso, que tem uma envolvente tão grande do crédito ao consumo, em que os orçamentos familiares incluem o pagamento do crédito à habitação e do crédito ao consumo, este tenha ficado de fora”, vincou.

Pedro Gouveia Alves, presidente do Montepio Crédito concordou com esta observação, “atendendo à importância do crédito ao consumo na economia e para os consumidores em geral”.

Vinay Pranjivan também abordou a natureza voluntária da moratória da ASFAC. “Quinze entidades [associadas] aderiram, deixando de fora outras dez. Parece um caso em que haverá consumidores que contrataram um crédito que não aderiu [à moratória da ASFAC], estão em situação de desigualdade”, alertou.

O presidente da ASFAC respondeu, referindo que “nem todos os países criaram moratórias”, dando como exemplo a França. E, explicou que as associadas da ASFAC que não aderiram à moratória “têm razões fortes”. Menezes Rodrigues disse, por exemplo, que há associadas da ASFAC que “têm valores residuais e ficam altamente prejudicadas com o deslizamento do período do crédito” ou que “podem haver problemas de liquidez, se não está a recuperar crédito”.

A estas entidades interessa-lhes, prosseguiu o presidente da ASFAC “no caso de incumprimento, não acontecer a criação de imparidades no registo da central de riscos do Banco de Portugal”.

Covid-19: catalisador da mudança de paradigmas

Os participantes na web conference “30 a 3” concordaram que a Covid-19 vai trazer alterações profundas na sociedade, com o aprofundamento da digitalização e do teletrabalho. Em consequência, o perfil dos consumidores vai mudar.

Luís Sena, diretor comercial do segmento de crédito ao consumo do Montepio Crédito, disse que “a história desta crise também será feita pela capacidade que as empresas tiveram para se adaptarem a esta nova realidade”, uma adaptação que pressupõe, também para as famílias, a aquisição ou o reforço de equipamentos informáticos para “fazerem face ao teletrabalho ou ao ensino à distância”.

“Segundo os dados da GfK, numa semana em abril, comparando com o período homólogo, houve um crescimento do tipo de procura desses equipamentos de 48%. Ora isto demonstra bem a necessidade das famílias se dotarem de equipamentos para fazer face ao teletrabalho e terem acesso ao ensino à distância. Foi muito evidente e demonstra e chama a atenção para a importância social do crédito ao consumo. Uma nota particular, 75% das operações feitas para a aquisição deste tipo de equipamentos foram com TAN ou TAEG 0, isto é, sem juros”, disse Luís Sena.

Já Ricardo Ferreira, general manager da jp.di, uma empresa que atua na área da tecnologia, sentiu “que muitas empresas nacionais foram forçadas a dar um salto tecnológico enorme. Tudo o que tenha a ver com a mobilidade computacional teve uma procura acentuada e veio permitir a transformação digital. Uma família que tenha dois filhos, por exemplo, viu-se forçada a ter em sua posse dois computadores ou dois tablets para que as crianças pudessem acompanhar a telescola”.

De igual forma, Rui Sabino, CEO da MediCapilar, uma empresa que faz transplantes capilares, revelou que teve de alterar o modus operandi da empresa, passando a fazer o acompanhamento dos clientes por meios telemáticos. “Tivemos de mudar a nossa forma de pensar. Somos especialistas em transplantes capilares, temos formas de atuar muito específicas, onde é necessário o contato direto com o cliente e perdemo-lo. Repensámos o modelo de negócio e alterámos a nossa forma de abordagem, implementando um modelo de vídeo-consulta”, explicou.

Pedro Gouveia Alves, presidente do Montepio Crédito concluiu o “30 a 3” referindo que o crédito ao consumo é relevante na economia portuguesa, uma vez que “representa dois-terços do PIB” e que tem uma forte componente social, entre todas as alterações provocadas pela pandemia.

“Neste contexto, temos de ver o crédito como forma de investir no futuro, a tecnologia como forma de garantir o rendimento, o automóvel como forma de garantir o rendimento, a educação como forma de gerar rendimento futuro. São tudo exemplos do que representa o crédito ao consumo numa ótica de investimento de natureza social e económica”, frisou.

“É um contra-senso estarmos a olhar para uma variável que representa dois-terços do PIB, que representa o rendimento das famílias e a futura geração de rendimento, tenha sido tributado da forma como é tributado. É o imposto do selo, são os impostos diretos às instituições financeiras, é o IVA sobre as transações dos bens. Tudo isto somado acaba por ter uma carga fiscal muito significativa”, alertou Pedro Gouveia Alves.

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