1. A discussão mais parva do ano está a acontecer na Assembleia Municipal de Lisboa. Um grupo de deputados está indignado com a dimensão dos novos painéis publicitários espalhados pela cidade. Dizem que são grandes demais e que nós, incautos, frágeis e imbecis condutores, ficaremos tão seduzidos pelas mensagens publicitárias que, de olhos em bico, provocaremos acidentes e outras calamidades bíblicas. É este o lastimável ponto a que chegámos: é chocante a infantilização total das pessoas. Somos tratados como bezerros incapazes de ter a mínima vontade própria, O ACP, essa vetusta instituição sempre interessada em promover o bem comum enquanto angaria uns trocos, está escandalizada e aproveita para aparecer nas notícias de dedo em riste. Será que os deputados municipais não percebem o quanto é ridícula esta queixinha? Um dia destes seremos obrigados a usar colete salva-vidas nas proximidades da poça do Campo Grande, em Lisboa, não vá um pato endiabrado atirar-nos à agua.
2. A parvoíce dos outdoors leva-me ao assunto que poucos querem discutir com profundidade: o que está por trás da chamada inteligência artificial (IA). Esta semana assisti a mais uma conferência sobre o assunto onde se apresentavam as miríficas possibilidades deste mundo que se multiplica com a sofreguidão dos coelhos. Eu não tenho qualquer dúvida sobre o contributo que a IA tem e terá ainda mais em diferentes áreas do conhecimento. O que me assusta é a inconsciência com que o mundo mergulha de cabeça para uma piscina vazia. Não se trata de recear a ditadura de um mega-computador que escravizará a humanidade. O que me deixa apavorado é a exploração que um grupo muito restrito de empresas está a fazer dos nossos dados privados sem pagar um cêntimo (já agora: eu não venderia) e sem que isso nos mobilize. Estas empresas (Google, Facebook, Amazon, Microsoft) sugam a informação e monetizam-na de todas as maneiras imaginárias. Na verdade, do que estamos a falar é de vigilância. Ou melhor: vigilância anti-democrática extractiva. A nossa informação é extraída, o que rende milhões e nos invade a esfera privada. Na tal conferência onde estive, a apresentação foi feita por um panglossiano – um otimista ilimitado – que nos tranquilizou o espírito: todos teremos um mordomo digital. Somos mesmo crianças grandes.