O trauma económico mais profundo nos EUA é a Grande Depressão, com taxas de desemprego acima dos 20%, pelo que a Reserva Federal tem um duplo mandato, sobre a inflação e o emprego. Na Alemanha, a experiência mais dramática foi a hiperinflação dos anos 1920, pelo que o Bundesbank tinha apenas a preocupação com os preços. O Banco Central Europeu (BCE), feito em grande medida à imagem e semelhança do banco central alemão, ficou também com um único mandato, sobre os preços

Em princípio, a tarefa estaria simplificada para o banco central da zona euro, mas a verdade é que este falhou sistematicamente o seu objectivo, ao contrário do seu congénere norte-americano, que tem dois.

No caso excepcional da inflação de 2021 e 2022, que regressou a valores que não se viam há quatro décadas, houve uma discussão inicial sobre se seria um fenómeno temporário ou não, podendo-se alegar que se perdeu demasiado tempo até reconhecer que o problema não se resolveria num período curto.

Na verdade, a política monetária actua com um enorme desfasamento: entre três a quatro trimestres sobre o PIB e entre seis a oito trimestres sobre a inflação. Por isso, mesmo que tenha havido um atraso de alguns meses, não estaríamos numa posição muito diferente se os bancos centrais tivessem iniciado mais cedo as subidas de taxa de juro, até porque o teriam feito a um ritmo menos acelerado do que o que têm aplicado.

Para além disso, é importante insistir que não estamos perante um problema típico de inflação por excesso de procura, para o qual a política monetária funciona bem, mas temos pela frente, sobretudo na zona euro, uma inflação pelo lado dos custos, em que não é nada óbvio que os instrumentos habituais tenham sucesso.

Ainda assim, com medo do impacto das expectativas sobre a inflação, via aumentos salariais, os bancos centrais têm estado num dos mais intensos ciclos de subida das taxas de referência.

No início dos anos 80, a Reserva Federal dos EUA provocou uma recessão muito forte e prolongada, com milhões de desempregados, para controlar a inflação. Mas é essencial recordar que os choques petrolíferos de 1973 e 1979, bem como uma resposta inadequada do banco central norte-americano, tinham conduzido a que a taxa de inflação nos EUA subisse acima dos 10%, tendo atingido um máximo de 16% em meados de 1980 e uma média de 9% entre 1973 e 1980. Ou seja, vivia-se com inflação persistentemente elevada e as expectativas estavam muito firmes de que essa situação prosseguiria como o novo normal.

Neste momento, ainda que a inflação esteja elevada, há unanimidade, quer nos mercados financeiros quer nos consumidores, de que ela irá baixar, embora se discuta se demorará dois ou três anos a chegar lá. Por isso, a tarefa não tem a gravidade de há 40 anos e não deverá ser necessária uma recessão tão prolongada nem tão profunda para a resolver. Mas começa a ser cada vez mais provável que seja necessário que o BCE provoque uma recessão para domesticar a inflação.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.