Aviso: Este artigo não continua a discussão entre os que criticam com irritação ou defendem fervorosamente a Web Summit. Não é um artigo sobre o jantar exclusivo no Panteão, nem sobre a cobertura mediática do evento ou o impacto que este tem na economia nacional. É, sim, sobre duas conferências a que tive oportunidade de assistir.

No último dia do evento, Gail Heimann, presidente da agência de comunicação Weber Shandwick, falou 20 minutos sobre o poder da criatividade num mundo ativista. Partiu desta questão: enquanto publicitários, é nossa missão coletiva refletir a cultura existente ou contribuir para a sua evolução? Heimann referiu que, no ano passado, a Unilever descobriu que, apenas em 2% dos seus anúncios com mulheres, estas poderiam ser descritas como inteligentes; e, em 3%, assumindo papéis de liderança. A propósito deste dado, e pouco depois de assistir à conferência, li numa rede social: “Look like a girl, act like a lady, think like a man, work like a boss”. Esta mesma frase originou, em 2015, uma crise na Bic África do Sul, obrigando a empresa a retirar de imediato o anúncio. Na altura, defendeu que pretendia apenas empoderar as mulheres.

No entanto, antes de falar da representação das mulheres na publicidade, é importante recuarmos um pouco e percebermos que o sexo feminino ainda é uma pequena fatia do mercado criativo. A página “Two many guys, one girl”, no Tumblr, reúne uma série de fotografias de festivais de publicidade onde as equipas, não sendo cem por cento masculinas, são predominantemente compostas por homens brancos. Ainda? Lembro-me da série Mad Men, que retrata uma agência de Madison Avenue, Nova Iorque, na década de 60. Nela vemos Peggy Olson tornar-se a primeira copywriter mulher da agência. Até aí, o caminho foi feito de dificuldades que só alguém muito, muito persistente superaria.

A indústria sabe que algo tem que mudar. Um exemplo: a organização do Cannes Lion lançou, em 2015, o prémio Glass Lion: The Lion for Change, que reconhece trabalhos criativos que ultrapassam barreiras de género e quebram estereótipos. Neste âmbito, Rik Strubel, CMO da Axe, falou também na Web Summit sobre “O que significa ser um homem”. Apresentou algumas estatísticas, destacando que 98% dos homens presentes na plateia já teria ouvido alguma vez a expressão “Faz-te homem!”. Strubel expôs então um conceito – “The man box” ou “A caixa do homem” – onde cabem todos os preconceitos que constroem uma masculinidade tóxica. Na campanha “Find your magic – Encontra a tua magia”, a Axe celebra os diferentes tipos de homens. E, espante-se, há realmente muitos. Assim como mulheres. Assim como pessoas que não se identificam no género binário.

É, por isso, urgente que as marcas falem de forma inclusiva e real. E isto leva-nos ao conceito de “criativista” apresentado por Gail Heimann. Usar a criatividade para ativar causas. Desconstruir estereótipos socioculturais. Celebrar a unicidade e individualidade. É um caminho poderoso para pequenas mudanças que constroem algo maior e a Web Summit foi um excelente palco para inspirar mais pessoas a percorrê-lo.