O belicismo de Putin, além de ser uma crise para a paz, trará crises de dimensões múltiplas. A mais patente é a crise humanitária, que vai obrigar-nos a criar soluções rápidas que garantam a solidariedade e a integração de todos os que fogem da guerra.

No entanto,  haverá também uma crise energética cujo impacto total na vida das pessoas e na economia ainda não é claro, mas que já é notório na carteira das pessoas, por exemplo, com um aumento dos combustíveis, num valor médio de 13 cêntimos, sem que a regulamentação do limite das margens de lucro tenha visto a luz do dia.

Face a isto e atendendo ao alto nível de pobreza energética do nosso país, é necessário garantir uma resposta que aposte no reforço da autonomia energética e que, evitando cair na tentação do retrocesso, não perca de vista os objetivos de sustentabilidade.

Quanto ao reforço da autonomia energética do nosso país, é inequívoco que o Governo tem estado aquém do que se lhe exigia. Desde logo, perante um contexto em que a escalada de tensão com a Rússia era evidente, não se compreende como é que o Governo, sabendo do potencial associado  ao Porto de Sines, não conseguiu colocar a concretização da pipeline de ligação a França como prioritária no âmbito da União Europeia. Mas, pior ainda, foi não ter feito aquilo que dependia apenas de si, como seja a transposição da Diretiva Renováveis, que já deveria ter ocorrido a 31 de junho de 2021.

Embora em alguns aspetos fiquem aquém do que já foi sendo feito, há pontos em que o impulso da Diretiva para a autonomia energética é mais que evidente, como sejam a isenção de encargos para instalações de autoconsumo, as novas regras de cálculo das quotas de energia renovável nos transportes ou a aposta na investigação tecnológica.

Esta crise não pode ser o álibi para uma travagem a fundo nos avanços dados em matéria de sustentabilidade. Não podemos voltar ao carvão e às centrais termoelétricas, que o PS no seu programa de 2019 queria deixar abertas até 2030. Se é importante que o Governo dê aos autocarros descontos no combustível, não menos importante é que se criem incentivos à utilização de transporte público pelas pessoas, nomeadamente reduzindo o preço de utilização, aumentando as deduções fiscais para os passes, melhorando a oferta onde a qualidade é má e levando-a onde não chega (nomeadamente, com o transporte flexível).

É urgente ainda que se aposte em combustíveis mais sustentáveis, concretizando, de uma vez por todas, o fim do uso de óleo de palma nos biocombustíveis, que já devia estar em vigor atendendo ao que – por proposta pelo PAN – ficou no Orçamento de 2021, e, seguindo França e Dinamarca, aproveitando a margem dada pela diretiva renováveis para excluir, também, a soja dos biocombustíveis.

Por fim, é fundamental que no próximo orçamento se combata a pobreza energética com pelo menos 280 milhões de euros para esse objetivo, nomeadamente para a adaptação das casas às alterações climáticas. É que o inverno veio para ficar nos próximos tempos, quanto mais não seja fruto desta nova “guerra fria”.