Depois de mais de dois anos de pandemia, 2022 projetava-se com otimismo como ponto de partida da era pós-covid. Contudo, um conjunto de instituições (p.e. OCDE) já no final de 2021 consideravam que 2022 poderia reunir os “ingredientes” de uma “tempestade perfeita” nas economias do hemisfério Norte: elevados preços da energia e de commodities; ciberataques; aumento dos custos laborais; dificuldade de retenção e contratação de talento; pressão nas cadeias de abastecimento; impasse político nos EUA; e tensões geopolíticas, nomeadamente na fronteira da Ucrânia com a Rússia.

Ainda o ano não vai a meio e verifica-se que, efetivamente, 2022 trouxe às empresas bem mais do que essa “tempestade perfeita”, imperfeitamente perspetivada. 2022 “acordou” para uma guerra inimaginável, caracterizada por uma barbárie que julgávamos enterrada no baú da Segunda Guerra Mundial.

O conflito está a intensificar a escalada nos preços do petróleo, gás natural e eletricidade, que já estavam a aumentar em 2021. Tendo em conta as sanções da União Europeia a Moscovo e a crescente pressão política, social e mediática no sentido de eliminar a importação de petróleo e gás natural oriundos da Rússia, o custo da energia projetado para 2022 será incrementado pelo custo associado ao embargo a Moscovo.

Para as empresas, este contexto geopolítico significa que a energia, enquanto fator produtivo, terá um custo crescente, em muitos casos para além do limiar da sustentabilidade dos seus negócios. Não se antevendo o seu decréscimo ou estabilização – pelo contrário – de que forma mitigar o impacto negativo do custo da energia? Ainda que sem as virtualidades de uma “varinha de condão”, a adoção de estratégias alicerçadas na analítica avançada de dados e em modelos de inteligência artificial (IA) faz a diferença na competitividade das empresas a braços com a crise energética.

Em primeiro lugar, uma empresa intensiva em gás natural (p.e. empresas de siderurgia, cerâmica, papel, vidro) deverá avaliar a possibilidade de implementar fuel shifting. Essa avaliação, assente em modelos de analítica avançada e alicerçada em dados internos e exógenos, passará necessariamente pela análise dos perfis de consumo das unidades industriais e da tipologia de tecnologias disponíveis no mercado, de forma a promover a substituição do consumo de gás natural por eletricidade (desejavelmente em regime de autoconsumo) ou por hidrogénio verde (i.e., gerado a partir de fontes de energia renovável).

No caso dos consumidores eletrointensivos, particularmente afetados pela escalada dos preços da eletricidade, a recente aprovação de isenção da aplicação dos critérios de proximidade entre as unidades de produção e a localização das instalações veio abrir-lhes decisivamente a porta da produção de energia renovável para autoconsumo. Os modelos de IA poderão auxiliar no forecasting das fontes de energia renovável, assim como otimizar o balanceamento energético (entre a produção de energia renovável e o consumo de eletricidade na unidade industrial), incluindo, por exemplo, tecnologias de armazenamento de energia.

Paralelamente, a implementação de Comunidades de Energia Renovável apresenta-se como uma alternativa de primeira linha para muitas empresas/grupos empresariais. Neste contexto, um algoritmo de IA bem desenvolvido e ajustado às necessidades de todos os membros da comunidade maximizará os recursos renováveis endógenos (através da gestão otimizada de consumos), minimizando a quantidade e o custo com a energia adquirida da rede elétrica, e maximizando a remuneração com operações de trading de energia e de serviços de flexibilidade.

Por outro lado, para além do consumo de energia relacionado com as instalações industriais, importará endereçar a procura de combustível por parte da frota de veículos das empresas. Se para a mobilidade urbana os veículos elétricos se revelam uma opção custo-eficiente, a grande maioria das frotas empresariais são compostas por veículos pesados (de mercadorias) e veículos ligeiros, que percorrem distâncias diárias incompatíveis com a mobilidade elétrica.

A gestão ótima das rotas traduz-se na estratégia mais eficaz para promoção da eficiência operacional da frota. Os modelos de otimização de rotas (optimal fleet routing) permitem minimizar a distância percorrida e os consumos, e em alguns casos redimensionar a capacidade dos veículos, sempre mantendo a qualidade do serviço.

Não é já novidade dizer-se que o Big Data e os modelos de analítica avançada vieram para ficar enquanto ferramentas para responder aos desafios das empresas num mundo global. Porém, num contexto de crise energética como esta que agora vivemos, em que os mecanismos de resposta tradicionais não oferecem alternativas viáveis, essa realidade é inescapável.