O tema da comissão parlamentar era a crise no grupo de comunicação Global Media Group (detentor de títulos como o “DN”, “JN”, rádio “TSF” e “O Jogo”) mas o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, acabou por ser confrontado com outras questões que vão para além das dificuldades que este grupo de media está a viver, nomeadamente a questão da Lusa e a possibilidade de reforço do Estado no capital da agência de notícias que sofreu uma contraproposta surpreendente.
Salários: ministro assume perplexidade
No dia em que os trabalhadores cumpriram o terceiro dia de greve (a terceira nos últimos três meses), o governante começou por assumir “enorme preocupação” por aquilo que se passa na Global Media Group (GMG), expressando “solidariedade e empatia para todos aqueles que trabalham no grupo”.
No entanto, questionado sobre que contributo pode ter o Governo face a esta situação, o ministro adiantou que o Estado “não deve ter apoios específicos para a comunicação social, porque seria um enviesamento do funcionamento do mercado”. Reforçando aquilo que referiu a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, na terça-feira, a GMG pode sempre recorrer ao Fundo de Garantia Salarial.
Sendo mais específico a propósito da gestão do grupo de media, Adão e Silva sublinhou enorme perplexidade pelo facto do novo investidor estar com dificuldade para pagar salários: “Não percebo e fixo perplexo como um novo acionista que entra, a primeira coisa que faz é deixar de pagar salários quando semanas antes tinha anunciado investimento”, realçou em resposta a Paula Santos, líder parlamentar do PCP.
Lusa: o acionista hostil, a proposta…
A situação na Global Media rapidamente derivou para a participação do grupo de media no capital da Agência Lusa. Recorde-se que a Global Media detém 23,35% da agência noticiosa, sendo que o Estado apresenta uma posição maioritária de 50,4%.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, defendeu que a Agência Lusa corre o risco de passar a ter um acionista hostil, tendo em conta a situação que se passa na Global Media, acionista na agência noticiosa. “Não temos nenhuma experiência de ter um acionista hostil na Lusa e neste momento temos essa possibilidade com o que se passa na Global Media
Sobre o negócio a envolver a Lusa (que acabou por não acontecer) a 4 de agosto, o JE avançou em primeira mão que o Grupo Bel e a Global Media tinham colocado à venda as participações (valor global de 45,7%) na Agência Lusa. Nesta audição parlamentar, Pedro Adão e Silva deu algumas luzes sobre este processo.
“Pedimos à Lusa para fazer uma avaliação dos seus capitais próprios e queríamos garantir a total autonomia e independência. A partir do momento em que o Estado ficasse com mais 90% da Lusa, colocavam-se aqui outras questões. Percebemos que existia divergência na avaliação dos ativos”, explicou o ministro.
Depois de uma reunião com Marco Galinha, a revelar a disponibilidade para a venda da participação no capital da Lusa, o ministro revelou o conteúdo da carta da direção-geral do Tesouro que avaliava essa participação em 2,5 milhões de euros.
“Os contactos que tive foi sempre com Marco Galinha e o que me foi dito é que isto deveria ser concretizado antes da entrada dos novos acionistas. Nunca pensei que uma alteração no modelo de governação na Lusa fosse uma forma da Global Media resolver problemas de tesouraria”, destacou o governante que admitiu não ter ouvido a audição de José Paulo Fafe, presidente da Comissão Executiva da GMG.
Ainda sobre a Lusa e como esta agência noticiosa poderia inserir-se num instrumento de apoio à imprensa, Pedro Adão e Silva que revelou foi que foi equacionada a possibilidade “de tornar o serviço da Lusa gratuito para a comunicação social para permitir uma poupança transversal. Era possível implementar mas as condições políticas alteraram-se”. O impacto dessa medida na Lusa seria de seis milhões de euros, revelou o ministro em resposta ao deputado do PSD, Alexandre Poço.
Adão e Silva adiantou ainda que, antes de se precipitar a crise política, o Governo estava a trabalhar um programa de bolsas de jornalismo de investigação para 2024: “Isso é algo que já não vamos fazer”, lamentou.
… e a contraproposta “para não levar a sério”
Uma das revelações mais importantes da audição aconteceu após uma questão colocada por Paula Santos, deputada do PCP. “O Governo podia ter comprado a posição da Global na Lusa e não o fez porque não o quis”, sublinhou a líder parlamentar dos comunistas.
“Em agosto, o PCP colocou logo a questão sobre que tipo de apoios estaríamos a dar à Global Media e se isso tivesse avançado, questionariam porque tínhamos avançado com uma verba para financiar despedimentos na Global Media”, realçou o ministro.
Aliás, Adão e Silva revelou mesmo que o Governo “deixou de levar a sério” a possibilidade de negócio, a partir do momento em que a Global Media avançou com uma contraproposta, não a negociar o valor oferecido, mas para comprar a posição maioritária do Estado na Lusa. “Houve uma contraproposta da Global Media no sentido de adquirir ao Estado a participação que temos na Lusa. Não levámos a sério”, referiu Adão e Silva de forma lacónica.
ERC gera “guerra de palavras” com PSD
O Conselho Regulador da ERC, em reunião extraordinária, aprovou a 8 de janeiro a abertura de um processo administrativo autónomo para a aplicação da Lei da Transparência e abertura de um procedimento oficioso de averiguações sobre determinadas matérias.
Em comunicado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) refere que a reunião extraordinária, com ponto único a análise da situação da Global Media Group (GMG), deliberou “a abertura de processo administrativo autónomo para a aplicação do artigo 14.º da Lei da Transparência, dado que existem fundadas dúvidas sobre se, entre os detentores do World Opportunity Fund (WOF), existem participações qualificadas nos termos da Lei da Transparência (representando 5% ou mais do capital social e/ ou dos direitos de voto do Grupo Global Media)”.
Deliberou também a “abertura de um procedimento oficioso de averiguações com vista a esclarecer” determinadas matérias, entre as quais “Verificar da existência de uma alteração de domínio dos operadores de rádio não autorizada pela ERC com a entrada do acionista WOF na estrutura de propriedade do Grupo Global Media”.
O papel do regulador foi motivo para uma guerra de palavras entre Pedro Adão e Silva e a representação do PSD presente na audição, quando o ministro foi confrontado pela demora da ERC em intervir neste tema. “O Parlamento esteve um ano para trocar a liderança da ERC e o PSD é responsável. Não se riam porque são responsáveis por isto com a vossa postura”, realçou o governante.
O programa de rescisões na Global Media terminou esta quarta-feira, 10 de janeiro, dia para o qual também foi convocada uma greve dos trabalhadores do grupo.
Em 6 de dezembro, em comunicado interno, a Comissão Executiva da GMG, liderada por José Paulo Fafe, anunciou que iria negociar com caráter de urgência rescisões com 150 a 200 trabalhadores e avançar com uma reestruturação que disse ser necessária para evitar “a mais do que previsível falência do grupo”.
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