A crise orçamental da Alemanha pode ter ecos além das suas fronteiras – como aliás costuma suceder – e ter consequências que podem ir muito além das suas próprias finanças públicas. E não é só porque os juros da dívida a dois anos ultrapassaram os da dívida portuguesa – o que deve andar a provocar terríveis pesadelos ao antigo ministro das Finanças Wolfgang Schäuble. Com a negociação da reforma de alguns segmentos da economia em andamento e o regresso das regras fiscais a partir de 2024, Berlim pode endurecer ainda mais sua postura já propensa à disciplina.
De qualquer modo, o regresso das regras pode sofrer um atraso – o que seria excelente para as economias mais endividadas – Grécia, Itália, França, Espanha – não só por causa do peso do serviço da dívida, mas porque não há muitos países na União que apresentem saldos orçamentais robustos.
Desde o início da reforma das regras fiscais, a Alemanha defendeu sempre o regresso à mão de ferro. Defende o estabelecimento de números, ou seja, trajetórias específicas de redução anual da dívida para os países que excedam os níveis de 60% do PIB e também quer uma meta do défice abaixo do máximo de 3% do PIB. Os países frugais querem tradicionalmente o mesmo. Mas vale a pena recordar que nenhuma destas metas é propriamente nova, nem nenhuma delas tira o sono aos governantes da Europa – portugueses incluídos, dado que não tendo as finanças publicas um problema de défice (neste momento), o teto dos 60% para a dívida não passa de uma miragem a décadas de distância.
Estas salvaguardas resultaram até agora numa redução anual da dívida de 1% para os países com uma dívida superior a 90% do PIB e de 0,5% para aqueles com uma dívida abaixo deste limiar durante o período de ajustamento e uma almofada orçamental de 1,5% do PIB, de acordo com uma análise da Bloomberg.
Regressando aos ‘pecadores’, a Itália e a França parecem estar mais interessados no fator 0investiment’ que em cumprir as regras financeiras. E se a França costuma ter bons resultados nos retornos dos investimentos, a Itália já não pode dar-se a grandes devaneios na matéria. A acrescentar ao fraco histórico dos investimentos, o país acaba de decidir retirar-se da chamada Nova Rota da Seda – um mega projeto de investimentos cruzados patrocinado por Pequim, o que cumpre a vontade estratégica dos Estados Unidos e da União Europeia, mas não parece ser a melhor opção para o desenvolvimento da economia caseira.
Mas, apesar do histórico de bom desempenho, a França tem estado envolvida em debates acessos para que o regresso das regras fique adiado para as calendas. Em sua defesa, avança com o óbvio: numa altura em que os juros altos impostos pelo BCE fizeram o seu trabalho – isto é, arrefeceram a economia e vão dar cabo de milhares de postos de trabalho criando milhares de ‘não-consumidores’ – não é possível fazer regressar regras austeras. Ou dito de outra forma: possível é, mas ninguém vai ter qualquer preocupação em cumprir. Isto é: se decidido, o regresso das regras não passa de cosmética para convencer os europeus de que alguém está preocupado com o futuro dos seus filhos e dos netos. De qualquer modo, a ‘palavra de ordem’ de França é: não ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Mesmo assim, é de esperar que de Berlim surjam apelos à contenção europeia. Essa é uma das formas de o chanceler local, Olaf Scholz, tentar salvar o seu governo de uma morte prematura ou, na melhor das hipóteses, de um final de legislatura penoso, que por certo voltará a afastar os social-democratas do SPD da órbita do poder. Por muitos anos.
Adiante se verá: O jornal “El Economista” chama a atenção para o facto de tudo isto ir ser discutido esta noite no jantar informal dos ministros da Economia e no encontro formal da Ecofin esta sexta-feira. O ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, manteve uma postura firme durante toda a negociação das regras fiscais, desde o início das negociações. Mas nada disso quer dizer que já haja uma decisão tomada.
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