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Crise política em Portugal ameaça retoma do crescimento?

Vários jornais estrangeiros têm escrito sobre se a crise política nacional é ou não uma ameaça à retoma da economia portuguesa. Para além da deferência que a atenção demonstra, valerá a pena perguntar: qual retoma?
9 Novembro 2023, 08h56

As agências de rating foram as primeiras a mostrar algum nervosismo face à crise política que assolou Portugal sem que ninguém o pudesse ter antecipado – salvo talvez os juízes do Supremo Tribunal de Justiça – mas os analistas internacionais parecem ter sido rapidamente ‘contaminados’. Assim, em várias publicações exteriores ao país, a pergunta está a ser formulada: a crise política portuguesa ameaça a retoma do crescimento na Europa?

A formulação da pergunta parece um pouco deslocada – afinal, a perspetiva que está em debate é se a Europa entrará ou não em recessão no próximo trimestre – mas o exercício teórico não deixa de ser curioso.

“A demissão do primeiro-ministro António Costa devido a alegações de corrupção ameaça minar a capacidade do país de continuar a repetir o sucesso económico desde o resgate de 2011, ajudado por políticas fiscais favoráveis ​​às empresas. Uma rápida resolução da crise política tranquilizaria os investidores estrangeiros e os seus parceiros da União Europeia”, refere Pierre Briancon nas páginas do jornal espanhol “Cinco Días”, mas enquanto colunista da Reuters Breakingviews.

Duvida-se que as empresas portuguesas se sintam assim tão favorecidas desde o resgate, mas há naquela preocupação pelo menos uma certeza: os investidores estrangeiros não gostam de atritos que perturbem os aparelhos do Estado – principalmente quando esses atritos implicam com… investimento estrangeiro, como pode bem suceder no caso da TAP. E no da Efacec. E também no lítio e no hidrogénio.

Nestes dois últimos capítulos, o jornal espanhol afirma que “é irónico que as empresas portuguesas tenham sido favorecidas neste processo, uma vez que o país baseou o seu sucesso económico na promoção do investimento direto estrangeiro, com uma entrada líquida de 3,6% do PIB no ano passado, segundo o Banco Mundial”. Não deixa de ser irónico que um analista estrangeiro ache irónico que os portugueses queiram deter em mãos nacionais a exploração e gestão dos seus recursos naturais – mas com certeza isso ficará a dever-se à falta de hábito.

Diz ainda o artigo: “o risco é que o escândalo ou o impasse político duradouro provoquem o adiamento de projetos verdes importantes. Os investidores e a Comissão Europeia, que concede cerca de 22 mil milhões de euros a Portugal no âmbito do seu plano de recuperação, precisarão de provas de que a podridão não é generalizada. Um primeiro passo seria Lisboa reabrir projetos controversos e deixar claro que estarão abertos à concorrência estrangeira. Só então uma grande crise política se tornaria num pequeno revés na história de crescimento de Portugal”. Qualquer visão ‘colonial’ da crise política ficará por certo a dever-se a um excesso de voluntarismo que não pode deixar de ser aplaudido – se expurgado desse lado ‘colonial’.

De qualquer modo, noutras publicações tem ficado claro que há na Europa e na Comissão Europeia algum temor pelas consequências da crise política portuguesa. Não que a crise tenha capacidade ‘exportadora’ – a Espanha está em crise política desde o fim de maio passado e não consta que Portugal (ou qualquer outra região europeia com a eventual exceção de Gibraltar) tenha entrado em stress. Mas há a questão do PRR. Até agora, Portugal tem mostrado alguma capacidade de manter o ritmo de execução do plano (as consequências práticas desse ritmo ver-se-ão mais adiante) mas a Comissão parece ter algum medo que as coisas possam descambar. Neste particular – como em qualquer particular que envolva os restantes 26 membros do clube – é o próprio bom-nome da Comissão que está sob escrutínio: afinal, é a segunda vez que a União se envolve num projeto conjunto de grande impacto (a primeira foi quando Mario Draghi usou o Banco Central Europeu para salvar os 28) e os projetos conjuntos estão proibidos de correr mal.

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