O estágio da Ordem dos Advogados, que frequento desde o último trimestre de 2016 e cujo objectivo é – ou deveria ser –, acima de tudo, fornecer os conhecimentos técnicos e munir de experiência prática os estagiários que dão os primeiros passos na profissão de Advogado, tem-se revelado uma enorme desilusão. Essa desilusão, ainda que com diferentes intensidades, é acompanhada pela maioria dos meus colegas. Vejamos as razões e julgará o leitor se tal reacção se justifica:

Comecemos pelo modelo de estágio que, mesmo depois da sua revisão, em 2015, continua a estar distante das necessidades dos estagiários e longe da realidade da advocacia portuguesa.

A primeira fase do estágio (que dura seis meses) é constituída por aulas de frequência obrigatória cujas faltas não são justificáveis – ficar doente ou estar a viver uma gravidez que implica sempre certas ausências, são cenários que facilmente o levam a perder a avaliação da primeira fase (10 % da avaliação total). Durante as aulas, que serão de deontologia profissional, prática processual civil e prática processual penal, não existe uniformidade quanto às competências leccionadas: alguns formadores têm uma tendência absurda para sindicar o que se aprendeu na Faculdade em vez de apostarem numa componente exclusivamente prática e dinâmica no ensino das áreas de formação. Para além disto, os formadores não têm competência para avaliar continuamente os estagiários, estando a avaliação limitada às peças e aos trabalhos entregues no final dos seis meses.

Na segunda fase do estágio (que dura 12 meses) é preciso correr: são necessárias quatro peças escritas, dez intervenções orais, 30 assistências e relatórios de tudo isto. Apesar de ser razoável exigir as quatro peças escritas, as dez intervenções em tribunal parecem-me excessivas e, em muitos casos, são impossíveis face à dimensão e volume de trabalho da Sociedade de Advogados onde o estagiário está inserido. Além do mais, as peças têm, aparentemente, de ser assinadas obrigatoriamente (e em alguns Conselhos Regionais, exclusivamente) pelo patrono – uma regra descabida, considerando que a grande maioria dos Advogados não exerce simultaneamente duas das áreas de prática exigidas para a assinatura das peças escritas (muitos não exercem sequer nenhuma das áreas exigidas).

Infelizmente, os problemas não ficam por aqui. Depois de toda esta maratona, existe uma entrevista (que vale 20% da avaliação) e uma prova escrita (que vale 70% da avaliação) das quais depende a conclusão da segunda e última fase do estágio. Ao contrário do que previa o anterior regulamento de estágio, actualmente, se as coisas não correrem bem na prova escrita, não se pode apenas repetir o exame escrito, sendo necessário repetir todo o estágio, o que é incompreensível e urge ser alterado.

Chegados aqui, uma coisa é certa: o modelo de estágio e a sua aplicação prática carecem de uma revisão completa. Em primeiro lugar, as regras de estágio têm de ser exequíveis – permitir que as pessoas se inscrevam na Ordem dos Advogados e depois protelar o estágio através de exigências excessivas não é admissível. Em segundo lugar, é fundamental que as regras sejam aplicadas uniformemente a todos os inscritos – existirem requisitos diferentes para a entrega de peças escritas consoante o Conselho Regional de inscrição viola de forma manifesta o princípio da igualdade. Em terceiro e último lugar, é essencial que o estágio seja um período de autêntica formação – tolerar que os estagiários terminem o estágio, muitas das vezes sem terem conduzido um processo em tribunal, põe em causa a seriedade da profissão. Naturalmente que a Ordem dos Advogados tem o papel principal nesta revisão do estágio, contudo, também as Sociedades de Advogados e os Advogados em prática individual que aceitam estagiários têm a responsabilidade de prestar a formação mais completa possível.

Neste artigo optámos por nos cingir ao modelo de estágio, mas muitos mais assuntos sobre esta realidade permanecem por tratar. Com efeito, fica prometido um segundo artigo de forma a dizer tudo aquilo que não tivemos tempo, nem espaço, para escrever.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Disclaimer: o presente artigo é escrito, exclusivamente, a título pessoal. O mesmo não deve ser imputado ao Autor na qualidade de membro da ANJAP, associação que o Autor representa para os assuntos relacionados com o estágio e que está a trabalhar de perto com órgãos da Ordem dos Advogados para a resolução de diversos problemas, nomeadamente, os mencionados no artigo.