(A antologia de um golpe)
Primeiro o Governo alienou a TAP, a preço de saldo, no âmbito de um alegado concurso, sobre o qual se suscitaram dúvidas desde o início, desde logo pela manifesta falta de capacidade financeira de um dos seus accionistas.
Depois, o Governo recomprou parte do capital social da mesma TAP, a um preço nada simbólico, premiando uma gestão que só foi boa para os mesmos accionistas, inclusivamente quanto à utilização dos aviões, pagos a peso de ouro, que Neeleman tinha parados na Azul.
Por fim, chegou a pandemia e, com esta, o mesmo Governo decide tornar a nossa companhia de bandeira numa espécie de low-cost, caminho que, aliás, já vinha sendo trilhado, para o que avançou para umas alegadas negociações, consistentes em os trabalhadores aceitarem tudo o que lhes ponham à frente.
Entretanto, cria-se um clima propositado de, no plano interno, terror e, no plano externo, de criação de uma opinião favorável.
Para esse efeito, vão sendo libertadas notícias sobre os custos da TAP para os comuns cidadãos, enquanto que os prémios entretanto pagos, inclusive à Administração e a altos quadros, foram esquecidos. Em momento algum, por exemplo, é referido que tais trabalhadores, indo para o desemprego, terão as respectivas prestações igualmente suportadas pelos cidadãos, no mesmo transe que a TAP anuncia novas rotas e programa desviar os voos para a PGA.
Já com a opinião pública virada contra os trabalhadores e depois de ter jurado proteger a TAP, afirmando-se ser o seu principal defensor, Pedro Nuno Santos disse finalmente ao que vinha, exclamando quando confrontado com o que de inaceitável se tem passado: “É o que é!”.
Não, Senhor Ministro, não é o que é. Não é o que é, desde logo porque os mesmos trabalhadores subscreveram um alegado acordo de emergência sob a sua promessa de ser o mecanismo apto a evitar o que ora sucede, ou seja os despedimentos que agora se anunciam. E também não é o que é porque, ainda que tivesse razão nos fundamentos, há um limite inultrapassável na dignidade com que todas as pessoas têm o direito de ser tratadas, mesmo no despedimento. Se calhar, principalmente no despedimento.
Um Governo que se diz de esquerda pode ter que despedir mas não o faz, seguramente, de forma ínvia. Convocar trabalhadores com pouco tempo de antecedência deliberadamente para não terem hipótese de procurar conselho ou ajuda, retirá-los dos planeamentos dos quais já constavam e colocá-los em lay-off, ameaçá-los ou não corrigirem erros grosseiros em função dos quais os seleccionaram é algo que envergonharia qualquer pessoa.
Não parece ser, contudo, o caso. Talvez por isso, estas breves linhas acabem como o livro que lhe dá o título: enquanto mais de 500 trabalhadores são despedidos, “Pedro folheou um jornal até encontrar as palavras cruzadas” .
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.