De entre o extenso cardápio de condutas qualificadas genericamente como corrupção, usualmente associamos este fenómeno ao exercício de funções públicas, que conhece também variantes no setor privado, tendo por base o abuso de um poder ou função públicos de forma a beneficiar um terceiro, contra o pagamento de uma quantia ou outro tipo de vantagem.
Como sabemos, a legislação de outros países – como os Estados Unidos, o Reino Unido ou Espanha – considera a aplicabilidade extraterritorial deste regime, o que tem determinado a densificação de processos e controlos em setores com maior exposição. É este o contexto, de resto, para a necessidade de manter controlos específicos em matéria de recursos humanos (contratação de familiares de public officer em condições privilegiadas) ou contabilística (que, designadamente em termos e enforcement das regras norte-americanas, leva a fatia de leão nas condenações efetivas).
A estratégia nacional para o combate à corrupção (doravante “ENCC”) assenta em 7 prioridades: (i) melhorar o conhecimento, a formação e as práticas institucionais em matéria de transparência e integridade; (ii) prevenir e detetar os riscos de corrupção no setor público; (iii) comprometer o setor privado na prevenção, deteção e repressão da corrupção; (iv) reforçar a articulação entre instituições públicas e privadas; (v) garantir uma aplicação mais eficaz e uniforme dos mecanismos legais em matéria de repressão da corrupção, (vi) melhorar o tempo de resposta do sistema judicial e assegurar a adequação e efetividade da punição; (vii) produzir e divulgar periodicamente informação fiável sobre o fenómeno da corrupção; (vii) cooperar no plano internacional no combate à corrupção.
Deixando de lado as matérias mais escrutinadas e debatidas, movidas em larga medida pela atualidade mediática, designadamente o enriquecimento injustificado e as medidas destinadas a lograr alguma simplificação da estrutura processual (e evitar os chamados “mega-processos”), destacamos a necessidade de desenvolver um regime geral de prevenção da corrupção, que preveja a implementação, dentro da administração pública e das médias e grandes empresas, de programas vocacionados para a prevenção e deteção de práticas ilícitas (os chamados programas de compliance) e para a proteção de dirigentes ou trabalhadores que denunciem estas práticas (tal como nos é pedido pela União Europeia).
Se sobre os mecanismos de whistleblowing (e sobre a proteção do whistleblower) já aqui escrevemos, merece a devida atenção a necessidade de criar e/ou maturar os programas de compliance no setor privado, procurando com isso que a avaliação do risco, conceção de controlos e monitorização de eficácia dos mesmos sejam materializadas em empresas com perfil diverso do atual; na verdade, verificamos hoje níveis de maturidade muito díspares entre as sociedades cotadas (ou, pelo menos, sociedades que se tenham financiado através de emissão de títulos de dívida) ou que integram os vários subsetores do sistema financeiro, por um lado, e sociedades de natureza mais industrial ou que de algum modo interagem com os poderes públicos, em particular se dependentes de atos, licenças ou alvarás emitidas por estes.
Sendo os mecanismos de whistleblowing condição fundamental da eficácia destes programas, sendo intenção do legislador proteger quem reporta, de boa fé, as eventuais irregularidades de atuação das entidades objeto desta legislação, torna-se também necessário assegurar a eficácia desta proteção. Os programas de compliance deverão, por isso, incluir atividades monitorização subsequentes à comunicação de irregularidades, acompanhando designadamente a avaliação de desempenho e distribuição de tarefas a quem efetua a denúncia e, bem assim, atividades de promoção ativa da existência deste tipo de mecanismos.
Mais do que isso, uma boa estratégia resulta estéril se a sua implementação não for orientada por critérios de eficácia e por uma boa dose de realismo. Ora se setores regulados e com enquadramento mais favorável ao estabelecimento de regras de gestão sã e prudente careceram de períodos de maturação prolongados, setores e entidades sem cultura de gestão de risco estabelecidas representam um grande desafio para que a eficácia destas medidas não resulte tolhida.
Dito isto, e numa economia que se prevê nos próximos anos fortemente alicerçada na despesa (direta e indiretamente) pública, deverá condicionar-se a celebração de contratos ou atribuição de apoios públicos a uma avaliação da eficácia dos programas de compliance. Só assim se logrará começar a alterar mentalidades, processos e controlos tendo em vista a efetiva prevenção do suborno e da corrupção.
Um sistema [primário] de sticks and carrots é, por ora, o vetor de mudança possível. Assim a economia o comporte, no atual contexto.