A semana passada marcou mais um episódio da triste, demarcada da realidade e, por vezes, assustadora, presidência de Donald Trump. No mais recente capítulo desta série B infindável (dia 20 de Julho marca um ano e meio deste surrealismo), a convidada especial foi a NATO que, sem surpresa, foi atacada, vilipendiada, ameaçada para, depois, ser proclamada como mais uma investida tremendamente bem-sucedida deste visionário de cabelo laranja.

Já sabíamos que o empresário norte-americano dificilmente mudaria de atitude ao sentir o peso do cargo – afinal de contas, foi a sua retórica sem papas na língua, ou de “dizer as coisas como elas são” (apesar de raramente mencionar factos reais), que o levaram à Casa Branca. Mas nos últimos meses o ataque aos seus parceiros tem escalado, não só nos seus discursos inflamados, mas em acções efectivas com repercussões reais.

Ora vejamos: no final do G7, depois de ouvir o PM canadiano atacar as tarifas impostas pelos EUA ao aço e alumínio, Trump retirou o apoio à declaração de grupo que saiu da reunião (um acto, claramente, de um líder forte e corajoso, ao debandar, a posteriori, de uma declaração sem qualquer validade jurídica) e chamou “fraco” a Trudeau por defender os interesses do seu país (qual era o slogan da campanha de Trump?), atacando assim a aliança mais antiga e, até por razões geográficas, uma das mais importantes e valiosas para os americanos; agora, na cimeira da NATO, Trump terá ameaçado sair da aliança, considerando-a “obsoleta”, para depois se congratular por um compromisso estabelecido no período Obama, de cada Estado-membro gastar 2% do seu PIB em defesa.

Nem comentarei o quão ridículo é ouvir os EUA, bastião do capitalismo e comércio livre, aplicarem tarifas aos seus parceiros comerciais, ou não se reverem numa declaração de apoio à democracia e livre troca. Já em relação à NATO, em que os países militarmente menos capazes como Portugal claramente beneficiam de uma aliança com o maior exército do mundo (que Trump decidiu expandir, reforçar e melhorar, numa das poucas acções a reunir apoio bipartidário no Congresso Americano), parece-me estrategicamente sensato procurar consensos, visto que esses mesmos países têm, consecutivamente, mobilizado meios para apoiar os Estados Unidos nas suas guerras, que tanta paz e estabilidade têm trazido ao mundo.

Além disso, sabendo que a sociedade se move maioritariamente por interesses económicos, a ameaça a uma economia europeia débil e com crescimento anémico dificilmente levará a bom porto, considerando todos os problemas sociais mais relevantes do que a Defesa Nacional que os países da UE enfrentam, e para os quais não existe orçamento.

Trump continua, passo a passo, a enfraquecer a ordem mundial que os EUA tanto se esforçaram por estabelecer no último século, atacando países e instituições amigas, fazendo bluff como se continuasse a negociar imobiliário, e insistindo numa unilateralidade que, nos tempos de hoje, dificilmente será bem-sucedida.

Pergunto-me se, nos anos 80, um filme sobre um vigarista de aparência duvidosa que, com ajuda russa e (voluntária ou involuntariamente) ajudando os russos, se torna Presidente dos Estados Unidos teria algum sucesso nas bilheteiras. Reagan pode ter sido um actor de “B movies”, mas não tornou a sua Presidência num dos seus filmes – Trump não só lhe roubou o slogan, como parece ter-se apropriado de um qualquer guião que o seu antecessor terá rejeitado. Certamente que, em Helsínquia, o Mr. President será recebido com um grande “Spasibo!”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.