Quando frequentei o mestrado, há uns bons anos, ficava muito confusa com o facto de um certo Professor muito raramente me deixar falar: não gostava de perguntas. Com o tempo apercebi-me de que essa sua falta de simpatia, chamemos-lhe assim, não era implicação comigo, mas com o simples facto de ser mulher. Hoje, passados mais de dez anos, esse Professor já não ensina. Reformou-se mas, na essência, a realidade nos bancos das universidades não mudou assim tanto.
Tendo a nossa experiência o valor que tem, os sítios por onde passei mostraram-me, em Portugal e além-fronteiras (países ocidentais, imagine-se), que ainda há um preconceito negativo relativamente às mulheres. Bem sei que esta ideia não é nova e que muitas vezes se mascara de uma certa condescendência paternalista mais ou menos perceptível a olho nu, mas não é por ser antiga que devemos esquecê-la.
Todos os dias somos confrontados com as notícias de violência extrema contra mulheres. Quantas vezes não soam estes actos a comportamentos que se revestem de um simbolismo atroz de vingança por falta de subserviência (de acordo com os perpetradores); ou como ainda se debatem aspectos mais ou menos adquiridos, como a IVG ou a saúde reprodutiva. Enfim, podia continuar a lista destas realidades relativas à desvantagem das mulheres, mas não vou fazê-lo. Todavia, tenho de perguntar: além das melhorias que se verificaram em Portugal nas últimas décadas, o que se está a fazer agora?
Sabemos que no nosso país são as mulheres quem maioritariamente frequenta e acaba cursos no ensino superior e até são a maioria nos doutoramentos, mas e depois? Depois há um claro desequilíbrio em cargos de direcção. Na verdade, a tentativa de igualizar homens e mulheres no mercado de trabalho demonstra as falhas ainda existentes. Há uma clara discrepância de salários para as mesmas funções. Temos uma posição mundial que mostra bem que ainda muito falta fazer – 97º no Índice Global das Diferenças de Género.
Ainda mais do que os números, visíveis e gritantes, o factor “poder” capta-me a atenção como um farol numa noite de nevoeiro. Muitas vezes, mesmo em posições de destaque, não são estas mulheres que decidem. Não diria que são fantoches mas estão, devido aos seus compromissos familiares e sociais, arredadas do palco das decisões. Muitas associações/clubes são só de homens, ir a uma “futebolada” com o chefe, ter conversas de ginásio, um copo depois do trabalho, são exemplos de espaços sociais onde as mulheres não entram ou participam muito esporadicamente. As mulheres ficam, desde logo, relegadas a outras conversas e a outra informação, menos centrais e importantes.
Acredito que essas desvantagens só se colmatam quando os homens agirem de maneira diferente. Quando os homens reflectirem de forma distinta naquela que é a nossa realidade. “Mas por que é quem está em vantagem há-de fazer alguma coisa?”, pergunta o leitor. A minha resposta é de cariz economicista: porque assim desperdiçamos menos recursos. Mantemos o talento quer pela via de uma sociedade melhor, quer para melhorar a sociedade. A ideia de bem comum é para aqui chamada e, aí sim, implica mais do que conversa sobre equidade (também vos podia falar disso, mas não tenho espaço), mais acção efectiva.
Numa outra perspectiva, e para não pensarem que sou pouco racional – característica normalmente atribuída a mulheres –, apresento-vos o outro lado do meu raciocínio: não acredito que um trabalho feito por uma mulher, só porque é uma mulher, seja melhor. Mas o contrário também é válido: não é pior só porque é uma mulher que o faz.
A biologia tem provado que há preconceitos quase orgânicos nos seres humanos. Vozes finas, mulheres com aspecto “muito femininos”, dúvidas quando expõem argumentos, etc., são características percepcionadas pelos outros como associadas a falta de profissionalismo. Parece que estamos formatados (diria socialmente predispostos) para acreditar que um homem de voz forte, formalmente vestido e sem dúvidas (um Deus portanto) é o ser humano mais profissional ao cimo da terra. Como é óbvio, não pensamos que o tom da voz só o é porque se trata de um homem, puro acaso no momento da sua concepção; que quem nunca tem dúvidas só demonstra fragilidade; e que, hoje em dia, um fato é bastante acessível a todos os bolsos. Estas percepções são apenas e só percepções. Não se baseiam em factos directamente relacionados com o que queremos avaliar.
Ainda queremos “mulheres secretárias”, com bom ar (nem sei bem o que isso é), caladinhas e discretas. Tudo o que for além disso causa arrelia e stress. A não ser, claro, que se vistam como um homem, falem como um homem e se comportem como um homem. Para ser reconhecida, nem vos conto no mundo académico, temos que ser uma mistura de tudo o que demonstra algum profissionalismo mas zero interferência com o poder instituído – normalmente liderado por um homem e com medo de ser questionado. Qualquer vislumbre de afronta é cortado pela raiz.
Em Portugal, temos que ter estratégias para dar a volta a esta injustiça constante. Temos que organizar acções e políticas públicas concretas. Podemos, por exemplo começar por acções de sensibilização nas escolas: é aí que se constrói o futuro e se dá o exemplo. Temos todos, homens e mulheres, que silenciar o Trump que temos em nós.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.