A queda de uma ponte, de um troço de estrada ou de um galho de uma árvore pode, e assim será na maior parte dos casos, não provocar danos a pessoas. Mas pode também ter consequências mais trágicas, provocando feridos ou mesmo mortes.
No primeiro cenário, geralmente sem intervenção das autoridades criminais por se pressupor de imediato que não haverá crime, procuram-se as causas da queda, sobretudo de modo a perceber se podia ser evitada e, em caso afirmativo, o que pode ser feito para que eventos idênticos não ocorram.
Contudo, no segundo cenário, as mortes e os feridos dão origem oficiosa à abertura de inquérito criminal.
O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas que permitam concluir pela existência de indícios suficientes para acusar ou pela inexistência desses indícios e arquivar.
Ou seja, e antes de apontar a potencial responsabilidade criminal a alguém, é absolutamente essencial apurar as causas da queda da ponte, do troço de estrada ou do galho.
A prévia afirmação segura da causa da queda é decisiva para concluir se existe ou não crime. Pode ocorrer, porém, que, mesmo após numerosos exames ao local e ao objeto da queda e mesmo após profundas análises, os especialistas não consigam chegar a um consenso e apurar a verdadeira causa da queda.
Adicionalmente, como as leis da natureza demonstram, o tipo de desastres de que aqui nos ocupamos podem ser de ocorrência imprevisível e não evitável pela intervenção humana, linhas de investigação que, na nossa perspetiva, deverão ser exploradas de forma exaustiva antes de dar o inquérito por encerrado com uma acusação.
Sem a causa determinada ou verificando-se a hipótese da inevitabilidade e imprevisibilidade do acontecimento, não será possível identificar que cuidados podiam ter sido tidos, que medidas deviam ter sido tomadas ou que manutenção podia ter sido feita. E, consequentemente, para efeitos de potencial responsabilização criminal, torna-se irrelevante apurar quem tinha de manter a ponte, a estrada ou a floresta.
Porém, a consternação associada à morte ou aos ferimentos graves causados por acontecimentos trágicos gera, em regra, a “necessidade” de encontrar alguém que possa ser responsabilizado pelo sucedido. É humano e não podemos deixar de compreender essa tendência. “A culpa não pode morrer solteira”.
Apesar desta tendência, importa colocar no outro prato da balança a circunstância de o peso e o estigma de uma acusação por crimes associados à morte ou à ofensa à integridade física merecer, na nossa perspetiva e no mínimo, que se considere e investigue previamente a hipótese de o incidente não ser humanamente evitável ou de não ser possível estabelecer um nexo de causalidade entre os resultados que vieram a produzir-se em virtude do incidente e a conduta de alguém.
O facto de não se chegar a um culpado não significa, necessariamente, que a culpa morra solteira.
Pode significar simplesmente que o evento não resulta da culpa de ninguém.