Ainda antes da eclosão da pandemia, o Governo português manifestou a intenção de regulamentar várias matérias emergentes, nomeadamente o trabalho em plataformas e o teletrabalho. Por motivos que ultrapassam o âmbito deste artigo, importa destacar que um e outro ficaram de fora de sucessivas revisões do Código do Trabalho.
Mas façamos um pequeno flashback. O desejo de aprofundar o tratamento do teletrabalho, em sede legislativa e regulamentar, pelo reconhecimento da sua importância e do seu crescimento, foi comunicado pelo Governo à Assembleia da República e aos parceiros sociais no final de 2019.
Uma vez que se trata de dois temas aos quais somos particularmente sensíveis, desde logo manifestámos o nosso regozijo por esse anúncio, que aliás teve amplo eco na comunicação social na altura. Infelizmente, a verdade é que, desde então, pouco se avançou.
Ora, estando todos nós mergulhados numa crise da natureza pandémica cujos impactos se fazem sentir há quase um ano, não deixa de ser desconcertante a omissão legislativa e o recente anúncio de remissão do tema para a negociação e a contratação colectiva.
A ideia até poderia ter os seus méritos. Acontece que, ao longo de 2020, os principais sindicatos e federações sindicais tentaram aperfeiçoar e detalhar as condições de prestação do teletrabalho. Como é do conhecimento público, a lei laboral deixa muitas zonas cinzentas, o que não augura nada de bom quando acabarem os sucessivos estados de emergência e a catadupa de legislação decorrente de cada um deles.
Da nossa parte, acreditamos que a contratação e a negociação colectiva são pedras basilares do progresso social e económico. Mas convém recordar a originalidade portuguesa de ter querido ferir, de morte, a negociação colectiva, com a adopção de limitações legislativas e uma revisão retrógrada do Código do Trabalho. Uma imposição da troika que não teve outra finalidade que não fosse tornar mais baratos os despedimentos e as horas extraordinárias.
Actualmente, para que a negociação colectiva seja valorizada, importa repelir o essencial do que os nossos credores nos impuseram: nomeadamente as indemnizações pouco decentes, a caducidade das convenções colectivas, e a negação do princípio do tratamento mais favorável para os trabalhadores. Neste âmbito, importa salientar que esteve bem a Assembleia da República ao aprovar, recentemente, a suspensão temporária da caducidade da convenção coletiva. É um primeiro passo, ainda tímido, mas na direcção adequada.
Regressando ao teletrabalho, tal implica custos acrescidos para os trabalhadores desempenharem as suas funções. Estes encargos, como nos parece óbvio, por todos os motivos, deverão ser suportados pelos empregadores. Nessa medida, temos colocado o tema em cima da mesa em contratação colectiva. Infelizmente, a oposição tenaz dos empregadores tem sido a nota dominante. Uma posição, importa notar, em contraciclo com o que se faz pela Europa fora.
Acreditamos que se trata de uma reivindicação justa e razoável. Os trabalhadores têm de ser ressarcidos dos custos em que incorrem em teletrabalho. Perante o bloqueio, compete ao Governo dirimir o conflito pela via legislativa.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.