Disse recentemente o ministro Siza Vieira que já havia sinais de retoma da economia portuguesa. Por retoma económica deve entender-se a escassa actividade económica pós-confinamento económico. E o mesmo é dizer que em 2021 vamos assistir a um brutal crescimento económico vis-a-vis do “covidi-ano” 2020!

Crescer a partir de números pouco expressivos é fácil e o marketing político aproveita-se deles. A economia e as empresas já não conseguem ter essa visão edílica das coisas. Para estas, com as vendas a descrescer, os custos, máxime os laborais, a manterem-se, e com sérios problemas estruturais de capital e conjunturais de liquidez, a retoma é inexistente. Trata-se, no caso, de sobrevivência e não de retoma.

Os sectores da aviação, turismo e, em geral, toda a fileira exportadora (de bens transaccionáveis) não veem retoma nenhuma, fruto das restrições do espaço aéreo, da redução do consumo externo, das exportações e da falta de um ambiente regulatório capaz de os ajudar nessa tentativa de sobrevivência e não de retoma.

Ficam de fora deste esforço de sobrevivência as utilities da energia e das telecomunicações, as empresas de rendas garantidas e todo o sector público, incluindo as empresas recentemente nacionalizadas (TAP e Efacec).

Mesmo a banca, sector vital da economia por fazer a ligação eficiente entre a poupança e o investimento produtivo, vai sofrer e fazer sofrer a economia.

Só quem não percebe a contabilidade das empresas é que ignora que o decréscimo das vendas em percentagens nunca vistas vai necessariamente redundar em prejuízos e delapidar a já de si estruturalmente deficiente estrutura de capitais próprios das empresas. E a tesouraria das empresas, assim como o crédito, é o sangue da economia. Ora, uma empresa nunca morre só, arrasta consigo uma série ininterrupta de empresas, suas fornecedoras, que lhe concederam crédito. Este processo demora tempo, mas inelutavelmente chega ao seu fim: a insolvência em cadeia.

Os bancos têm os seus próprios problemas e não consta que possam socorrer estas empresas. Quando terminar o período das moratórias, as empresas entrarão em default e em insolvência.

Olhemos para o sector automóvel, um expoente das nossas exportações. Não se pense que é apenas um problema das grandes marcas de fabricantes, mas toda a fileira de empresas que a montante fornecem tal indústria que perecerá e não retomará. O turismo é diferente, porque veremos as empresas morrerem, mas os activos tangíveis serão comprados por outros actores, infelizmente, suspeita-se, estrangeiros… e continuarão a gerar riqueza quando se der a retoma.

O que deve fazer o Estado? Para a sobrevivência e não para a retoma que só Siza Vieira vê no horizonte.

O Estado deve preparar um conjunto de medidas que permita a sobrevivência e ao mesmo tempo criar um ambiente que permita a retoma, a saber:

Para a sobrevivência:

  1. Um regime de recuperação judicial de empresas expedito e geral e não apenas para as empresas que sofreram o efeito negativo da pandemia (o famoso PEVE);
  2. Flexibilizar a legislação laboral, permitindo a redução dos salários, flexibilizar os despedimentos e as regalias por forma a adequar a estrutura de custos à redução de receitas;
  3. Criar uma lei que permita um alívio fiscal às empresas, ressuscitando os planos prestacionais de dívidas ao Estado, com redução ou mesmo eliminação dos juros e sem exigências irrealistas de garantias;
  4. Dotar o banco de fomento de ferramentas que lhe permita apoiar as empresas neste momento de necessidade de liquidez e não apenas para financiamento de projectos de investimento (numa altura de incerteza quem aposta num projecto novo?);
  5. Uma correcta aplicação dos fundos comunitários, dirigidos às empresas e não para serem consumidos pela despesa corrente do Estado ou obras improdutivas;
  6. Congelamento dos aumentos salariais e das carreiras da função pública (e dos políticos);
  7. Criar um super-fundo que invista em unidades de participação de fundos especializados em venture capital e capital de risco, permitindo capitalizar as empresas economicamente viáveis numa lógica de private equity e com retorno para o Estado;
  8. Ir mais longe no regime de apoio às operações de concentração de empresas.

Para a retoma:

  1. Criar uma lei laboral semelhante aos países europeus que connosco concorrem;
  2. Criar uma lei de arrendamento que fomente a mobilidade dos trabalhadores e suas famílias;
  3. Criar uma lei fiscal que reduza a carga fiscal sobre as empresas e sobre as famílias, permitindo que se canalizem essas poupanças para o investimento produtivo;
  4. Criar uma lei que permita aos bancos converter os créditos em incumprimento em capital, atribuindo-lhes benefícios fiscais para atenuar essas imparidades;
  5. Dotar a administração pública, máxime a administração fiscal e a Segurança Social, de um espírito colaborador com as empresas em lugar de as asfixiar;
  6. Criar uma mentalidade, desde logo no ensino, de empreendorismo e de respeito pelo empresário;
  7. Reformar a justiça em Portugal, sem medo dos dogmas e dos corporativismos, no respeito do Estado de Direito.

Sei bem que sobre estas reformas é mais fácil escrever do que implementar, mas também sei que se não se escreverem as verdades somos consumidos pelas “conquistas”, entre muitas outras, da organização da Champions em Portugal, do regresso do D. Sebastião do futebol, Jorge Jesus, da contratação da Cristina Ferreira, do regresso da Fórmula 1 e do “perdão” a alegados criminosos informáticos que se tornam em investigadores à margem da lei penal.

É a retoma – aqui sim retoma – de Fátima, Futebol e Fado.