(Recebi há dias uma sentença condenando um grande grupo económico português por assédio moral. A trabalhadora em causa gostaria – e tem esse direito – de a ver publicitada. Esbarrou num muro, que é quase um murro, de silêncio porque o dito grupo faz publicidade em quase todos os órgãos de comunicação social e, como tal, cada um deles prefere assobiar para o lado e fingir que não está a acontecer. Daqui retiro duas consequências: a primeira, de que já tenho falado, é que, genericamente, temos acesso às notícias que alguns poderes mais ocultos ou, pelo menos, não expressamente anunciados nos deixam ter. A segunda é um louvor a este Jornal, que nunca, mas nunca, me limitou o conteúdo destas linhas. Obrigada.)
Se Sartre um dia escreveu que “o inferno são os outros”, os tempos actuais trataram de dar um novo significado a esta frase. Uns confinados em casa (sem que isso signifique necessariamente, e ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, a pertença a uma classe privilegiada), outros confinados no trabalho, todos confinados no lazer, a tendência crescente é para uma notória individualização dos interesses e para o enfraquecimento de noções básicas de solidariedade.
Se mais de metade dos telejornais são dedicados à Covid-19, a verdade é que das poucas notícias para além do tema da pandemia a que temos acesso ressalta uma crise em que as principais vítimas são os pequenos empresários e, claro e como sempre, os trabalhadores.
No final do mês, como sucedeu com a Groundforce, avisam-se trabalhadores que não se lhes paga o ordenado desse mesmo mês, colocando-se os accionistas na posição de cada um culpar o outro, e ninguém se indigna. Olhamos para a manifestação que, legitimamente, fizeram com distanciamento porque, por enquanto, ainda temos o nosso ordenado a cair na conta.
No sector bancário, particularmente protegido pelo Governo, fazem-se rondas para os famosos “mútuos acordos”, atirando para o desemprego mais trabalhadores, cuja factura nos é apresentada a nós, via segurança social.
Também a Galp tratou de iniciar vários procedimentos de despedimento colectivo, cujo âmbito não se restringe, ao contrário do que poderíamos ser tentados a pensar, a Matosinhos e ninguém diz nada.
Ao lado, anunciam-se lay-offs sobre a recente designação de “apoio ao emprego”, passe a ironia, e não há uma alma que publicamente se interrogue se todos os destinatários de tais apoios, isto é, as empresas, deveriam ter acesso a essa medida.
Se se deixa cair que não há dinheiro para tudo, a verdade é que pouco ou nada se tem fiscalizado. E, no meio disto, quando muitos já não têm que comer, fala-se de novos aeroportos, do TGV, de computadores para as escolas, como se não devêssemos estar já a pensar no regresso às escolas, pelo menos dos mais novos.
A banalização do mal está em marcha e, para tanto, todos contribuímos. Quando não activamente, pelo menos com a inércia.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.