A revolução digital, que inclui a automação de tarefas e as oportunidades proporcionadas pela aplicação da ciência de dados e inteligência artificial, não conseguiu eliminar a complexidade burocrática que floresce em muitas organizações, tanto do setor privado como do público, em Portugal e em Bruxelas. Refiro-me à burocracia que não cria valor.
A lei de Parkinson, formulada em 1955, explica o crescimento deste tipo de burocracia nas organizações. A essência da explicação parte da observação de que, de forma natural, as pessoas tendem a expandir as suas tarefas para ocupar todo o tempo disponível, o que, por sua vez, gera a necessidade de contratar subordinados. Esses subordinados, ao adotar uma abordagem semelhante, acabam trabalhando uns para os outros, ampliando a complexidade burocrática. Os níveis hierárquicos multiplicam-se enquanto o estatuto de um gestor aumenta com o número de colaboradores que supervisiona.
Ao defender a tomada de decisão no nível mais baixo possível da organização, pelas pessoas que têm mais informações e conhecimento sobre o problema em questão, a aplicação do princípio de subsidiariedade deveria reduzir o número de níveis hierárquicos, promovendo a eficiência, a autonomia dos colaboradores e a agilidade da organização na resposta aos desafios específicos do contexto.
Contudo, ao implicar a delegação de poder de decisão, a subsidiariedade enfrenta a resistência de grupos de interesse, desde logo dos que detêm (ou esperavam vir a deter) o poder e daqueles que influenciam as decisões através de redes de relações pessoais e profissionais construídas ao longo do tempo.
Em paralelo, há organizações hierárquicas que romperam com a burocracia, apostando na descentralização e incentivando os colaboradores a comportarem-se como empreendedores. O grupo brasileiro Semco e a Haier, o fabricante chinês de eletrodomésticos que comprou a GE Appliances, em 2016, constituem dois casos inspiradores.
A Haier adotou uma organização em rede que liga todos os colaboradores com as necessidades dos utilizadores, permitindo o desenvolvimento e oferta de soluções (para a casa inteligente, por exemplo) de forma rápida e flexível.
A empresa está organizada em microempresas autónomas, mas ligadas na medida em que todas têm uma relação direta com os seus próprios clientes e unem-se para criar valor para os utilizadores. Os colaboradores são os seus próprios gestores. O feedback contínuo sobre a satisfação dos utilizadores, associado à liberdade de iniciativa e à autonomia para tomar decisões, fomentam a melhoria contínua e a inovação. O valor criado é distribuído por todos os que colaboraram no processo, ilustrando a virtuosidade de um modelo que assegura o propósito e equilibra incentivos e recompensas.
Estes exemplos mostram que a mudança organizacional, eliminando a burocracia, é possível, oferecendo matéria para reflexão a organizações do setor privado e público que visem colocar o utilizador no centro do processo de criação de valor.