A recente visita do primeiro-ministro, Luís Montenegro, à China, não foi um mero ato diplomático de circunstância, foi o ponto de inflexão que confirmou a maturidade e a ambição de uma parceria estratégica que celebra este ano as suas duas primeiras décadas.

Há 20 anos, o relacionamento económico luso-chinês caracterizava-se essencialmente por um comércio de bens de consumo tradicional. A evolução foi notável e profunda, transcendendo em muito a mera troca comercial para assentar num investimento estratégico de largo espectro.

Estes investimentos constituíram a primeira — e crucial — fase de uma parceria estratégica. Trouxeram consigo capital paciente de longo prazo, introduziram práticas de governança corporativa robustas, conferiram uma dimensão internacional às empresas portuguesas e geraram emprego qualificado e valor acrescentado em Portugal.

Foi esta fase que demonstrou, de forma inequívoca, a credibilidade de Portugal como destino de investimento e a seriedade e visão estratégica dos investidores chineses. A segunda fase, já em curso, é a da transição verde e digital. O projeto-emblema é a gigafactory da CALB em Sines – um investimento de dois mil milhões de euros que criará perto de 1.800 postos de trabalho diretos e posicionará Portugal como um hub europeu crucial para as cadeias de abastecimento da mobilidade elétrica.

Não é um projeto isolado, é a pedra angular de uma visão que deve fazer de Portugal uma plataforma euro-atlântica de confiança para indústrias limpas e digitais, ancorada nos padrões europeus, mas com uma competitividade global.

A visita de Montenegro a Pequim e a Macau serviu precisamente para alinhar esta intenção política com resultados práticos. O anúncio da reativação da Comissão Mista Macau-Portugal, após sete anos de paralisia, é um sinal tangível. Macau, ponte histórica e cultural, deve assumir um papel ainda mais dinâmico como plataforma de green finance, acelerador comercial com a CPLP e centro de formação de talento nas áreas críticas do futuro: inteligência artificial, biotecnologia e energias limpas. Contudo, para que esta visão se concretize, Portugal tem de oferecer mais do que credibilidade histórica. Tem de oferecer um ambiente de negócios estável, previsível e justo.

É neste contexto que se enquadra a preocupação expressa pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa na recente consulta pública sobre a transposição da Diretiva da Cibersegurança. A proposta, tal como está redigida, arrisca-se a introduzir um regi me de exclusão de “fornecedores de elevado risco” baseado em critérios vagos e potencialmente discrimina tórios, como a “influência indevida de países terceiros”.

Tal abordagem, que se afasta do foco técnico e proporcional da diretiva europeia, pode violar princípios constitucionais fundamentais – da igualdade e não discriminação à liberdade de iniciativa económica e direito de propriedade. Ao classificar automaticamente como “reservados” os processos de avaliação, nega-se ainda o direito de audiência e de defesa dos administra dos, criando uma insegurança jurídica intolerável num Estado de Direito. Não se trata de opor a segurança aos investimentos.

Trata-se de garantir que a segurança é alcançada através de critérios objetivos, técnicos e proporcionais, que não degenerem em barreiras protecionistas disfarçadas ou em instrumentos de política geoestratégica que nada têm a ver com a cibersegurança efetiva.

Um ambiente legal hostil e imprevisível é o maior dissuasor do investimento que ambicionamos atrair. A sugestão da CCILC para que a lei garanta o respeito pelas garantias processuais e pelo princípio da proporcionalidade é, por isso, não só sensata como indispensável.

O momento é de oportunidade única. A reorganização das cadeias de abastecimento globais e as tensões comerciais internacionais criam uma ja nela para que Portugal se afirme como um parceiro estável, competente e aberto.

A visita de Montenegro será recordada não pelas declarações de cordialidade, mas se tiver sido o catalisador que transformou uma relação histórica numa plataforma de execução estratégica. Menos retórica, mais entregáveis. É essa a linguagem que Pequim respeita e é essa a abordagem que mais beneficia Portugal.