Recentemente veio à tona, na comunicação social, o relatório elaborado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência sobre a endogamia académica em Portugal. Isto não é algo novo, é algo que todos têm presente, todavia, ter estes dados disponíveis dá-nos uma perspectiva mais concreta do(s) cenário(s) existente(s). Informação mais esmiuçada pode ser consultada no website desta direcção-geral, para quem estiver interessado. E, ainda que este não seja o primeiro estudo sobre o tema, estas conclusões vão na mesma direcção de investigações anteriores.

Se a maior conclusão do estudo em causa é a de que uma grande maioria dos professores das diversas instituições públicas aí fizeram os doutoramentos, portanto são “da casa”, sendo este um grande problema, infelizmente, a endogamia não termina por aqui. Há todo um rol de problemas que podem ser minorados com legislação mais direccionada, e ainda que a legislação por si só não mude totalmente a “cultura” da maioria das instituições, pode melhorar a Universidade.

É, pois, do conhecimento público que há outros factores que se misturam com o cenário e as respectivas causas desta endogamia. Ter feito um doutoramento noutra instituição nacional ou internacional não termina o problema. Não acredito que esta situação seja ideológica ou que deva ser tornada um assunto de “nós” contra “eles” ou da fulanização das situações, pois tal só nos atrasa por comparação com avanços feitos noutros países. Por exemplo, na Alemanha há legislação a limitar as contratações de antigos alunos antes de terem experiências noutras instituições e esta é prática comum em muitas universidades dos EUA. Será que isso põe fim à endogamia, à não meritocracia e a outros problemas que tais? Não, mas torna procedimentos menos correctos mais difíceis de desenvolver.

Uma das maroscas (perdoem-me a expressão) mais usadas é a figura de professor auxiliar convidado. Não é que não existam situações em que tal ocorre com recurso a candidaturas e até mérito, mas eu avançaria que, numa grande maioria, estes casos são apenas e só para colocar pessoas que já estão na rede de contactos sem haver competição directa. Isto seria problemático por si só, mas não afecta unicamente o presente, afecta também o futuro. Ora vejamos: para se ser contratado na carreira docente no nível inicial (Professor Auxiliar) é considerado factor relevante ter experiência lectiva. Neste sentido, se só a tem quem é professor convidado previamente, quem não faz parte das redes fica em clara desvantagem.

Ainda existem, por exemplo, os conhecidos “acordos de cavalheiros” onde, não raras vezes, júris externos dão o aval para se contratarem “os seus” e eles contratarão os “dos outros”. Ou ainda, não se colocam nas posições cimeiras dos concursos certos candidatos, ainda que melhores, para que não haja grande hipótese de reclamação formal, ou não se consideram de todo os melhores porque são ameaça aos candidatos previamente escolhidos. Esta estratégia é mais generalizada e abrange quase todos os sectores do Estado. Claro que se lidam com expectativas, e vidas de espera, mas essa espera é baseada numa avaliação errada de princípio – ser-se integrado porque “já lá se está” só é bom para os próprios.

A investigação que se vê em Portugal é inferior devido a esta endogamia. Há uma maior rigidez institucional e na pesquisa, na criatividade da investigação e na participação em diversas redes de investigação, e isto é real, mesmo que muitos insistam em não ver.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.