Quando Mário Centeno for designado governador do Banco de Portugal pelo actual Ministro das Finanças é violada a ética republicana.

Digo isto porque o actual ministro das Finanças, a quem compete designar o Governador do Banco de Portugal, foi subalterno do prospectivo designado Governador do Banco de Portugal.

E viola-se ainda a referida ética republicana porque a todos (mesmo aqueles que agora oportunisticamente o defendem) parece mal que um ex-governante vá para uma entidade que deve estatutária e legalmente ser independente do Governo. E o mesmo se diga que o Governo deve ser independente do Banco de Portugal.

Finalmente, é escandaloso que, discutindo-se um projecto de lei na Assembleia da República que visa juridificar a referida ética republicana, mediante a criação de um regime legal, geral e abstracto, de incompatibilidades dos ex-governantes para serem nomeados para o Banco de Portugal – e devia ser extensível a todas as entidades reguladoras – se prepare, à revelia, a referida nomeação. O actual regime de incompatibilidades fixa um período de nojo apenas para a passagem para o sector privado regulado por um concreto governante.

O primeiro-ministro qualifica tal iniciativa legislativa de ataque “ad hominem”, ou lei fotografia, o que, se se demonstrasse essa natureza, concede-se, a lei seria inconstitucional, mas, repete-se, manter-se-iam os ditames daquela ética republicana, tantas vezes propalada pelo Partido Socialista. Aliás, tal intervenção do Governo na esfera de competência legislativa reservada da Assembleia da República é também ela “inconstitucional”. Essa fiscalização compete ao Presidente da República e/ou ao Tribunal Constitucional.

Mas como jurista, e ex-aluno do Presidente da República na cadeira de Direito Administrativo, diria que a lei não é somente aplicável a Mário Centeno, mas a todos os que forem, no futuro, governantes e queiram ser governadores e administradores do Banco de Portugal após a cessação do seu mandato. É portanto uma lei geral e abstracta! Não se aplica apenas àquele indivíduo, nem a um ex-ministro das Finanças, mas a todos os membros do governo e consultores que tenham trabalhado para o Banco de Portugal.

Não tenho nenhuma crítica ao ex-ministro das Finanças e à sua competência profissional e académica, mas não gosto do seu estilo quando mostra que tem uma espécie de direito divino àquele cargo. Não tem, como, aliás, nenhum português tem. Tem direito a integrar o seu lugar de origem no gabinete de estudos do Banco de Portugal. E se não gosta, como é tão reconhecido, não lhe será difícil encontrar um emprego no sector privado.

Desconfio, no entanto, que vai encontrar lugar no sector público, por nomeação política. O ex-ministro das finanças Vítor Gaspar, de quem não guardo a melhor imagem, também foi para o lugar de origem no Banco de Portugal.

Aliás, este regresso dos governantes aos lugares de origem, muitas vezes após longos anos de comissão de serviço, deveria também ser regulado. Não percebo, porque giro uma empresa privada, como é que estas organizações podem acomodar tantos ex-políticos decorridos anos após a sua nomeação para cargos políticos, mas este é um seu direito adquirido.

O que não há direito é ser nomeado por quem foi seu secretário de Estado, só porque quer. O que não há direito é a independência que se exige do Banco de Portugal, ou do Governo face ao regulador, ficar em causa. Já alguém disse a propósito, e eu concordo, que à mulher de César não basta ser séria (leia-se independente) tem também de parecer séria. E o Governo pode, e deve, exercer alguma fiscalização das actividades deste regulador e esta fiscalização ficará sempre em causa.

Só para dar um exemplo, e muitos outros ocorrerão, como é que Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, vai acompanhar o processo de resolução do Novo Banco que recentemente rotulou de desastre. E eu concordo com ele que a resolução do BES foi um desastre, mas o processo de venda do Novo Banco, liderado pelo seu Governo, não lhe ficou atrás.

Tenho a certeza que esta ética republicana não irá ser respeitada. A ética republicana também exigiria aos políticos, durante o período do estado de emergência, uma auto-redução dos seus ordenados, à semelhança do que fez o governo da Nova Zelândia. Seria um belo exemplo de repartição dos sacrifícios – princípio ético indiscutível. Sugere-se que esse corte fosse feito num terço à semelhança do corte de muitos trabalhadores do sector privado. Mas essa ética não existe e alguma coisa me diz que também não irá ser criada uma lei nesse sentido…

Ao menos que se crie um benefício fiscal a favor de todos os trabalhadores que foram abrangidos pelo regime do lay-off, mitigando a perda do seu rendimento real. Sai muito mais caro do que a redução dos salários dos políticos, mas não sai do seu bolso…

Em suma, a ética republicana é muito flexível e portanto não é ética. É ética política. Não, é politiquice!