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Da febre do petróleo à transição energética

A possibilidade de exploração futura de hidrocarbonetos está em claro contraciclo com a imagem internacional que se pretende para Portugal. Aliás, de acordo com dados ENMC, a prospeção de petróleo em Portugal remonta há quase 100 anos, mas nunca se transpôs a fase de sondagem.
23 Julho 2018, 11h11

Olhando para o que tem sido o debate em torno dos contratos de prospeção e produção de petróleo na costa portuguesa, infelizmente não me surpreendeu a recente decisão oficial que permite ao consórcio ENI/Galp realizar a sondagem de pesquisa por métodos convencionais ao largo de Aljezur, no Algarve, no âmbito do projeto “Santola”, sem realizar uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).

A justificação do primeiro-ministro para esta decisão, além do tão invocado “interesse público”, é a de que precisamos de saber que recursos existem em Portugal. E por isso, diz, temos que pesquisar primeiro. Se se encontrar petróleo, logo se procede ao estudo de impacte ambiental.

Já o Ministério do Ambiente tem vindo a refugiar-se no parecer técnico da Agência Portuguesa do Ambiente que, sobre esta matéria, concluiu que “não foram identificados impactos negativos significativos” da prospeção, logo não seria necessária uma AIA. Parecer este que, apesar de não ser vinculativo, levou também o ministro do Ambiente a frisar que a decisão de avançar com a sondagem é meramente uma questão técnica, não política.

Mas paremos para refletir. Em primeiro lugar é preciso recordar que esta pesquisa já traz, só por si, complexos impactos ambientais e sociais, uma afirmação sustentada por profissionais especializados das mais diversas áreas e organizações ambientalistas. Tratando-se de gás de xisto, tem sido questionado, nomeadamente pela associação ZERO, se a tecnologia utilizada para realizar a sondagem pode ser apresentada como “método convencional”. O elevado consumo de água e a adição de químicos são outros aspetos ambientais que levantam suspeitas sobre se este método será convencional ou não, sendo que não é referido nos relatórios como será acautelado o tratamento e a prevenção de fugas.

Para além disso, a área de interesse para a realização desta sondagem localiza-se próxima de áreas protegidas e zonas sensíveis ou mesmo críticas do ponto de vista da proteção e conservação, com impactos significativos que devem ser considerados ao nível da biodiversidade (fauna e flora) já nesta fase de “pesquisa” que acaba de ser autorizada.

Com o Governo a dizer-nos que as decisões neste âmbito são técnicas e não políticas e que cumprem a lei, como justificou o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, quando questionado sobre a necessidade de se realizar o estudo de impacte ambiental antes de autorizar a referida sondagem, confirma-se a transversalidade da estratégia dos sucessivos executivos: colocar os interesses económicos como prioritários face às reais expectativas dos cidadãos.

 

“Este avanço será contrário ao Acordo de Paris, pois não terá qualquer neutralidade carbónica visto que não estaremos de modo algum a fechar outros poços de petróleo, mas sim a acrescentar ao volume global dos que já estão em produção comercial”.

 

É seguro afirmar que o Governo insiste em investir no insustentável. Portugal recebeu em abril deste ano, da Rede Europeia para a Ação Climática, a “medalha de ouro” para o pior investimento em matéria energética por apoiar a perfuração de petróleo na costa de Aljezur. Este prémio exemplifica na perfeição o erro do Governo em permitir os contratos de prospeção de petróleo na costa portuguesa.

A possibilidade de exploração futura de hidrocarbonetos está em claro contraciclo com a imagem internacional que se pretende para Portugal. Aliás, de acordo com dados da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), a prospeção de petróleo em Portugal remonta há quase 100 anos, mas nunca se transpôs a fase de sondagem.

Importa também incluir na equação económica tudo o que são externalidades ecológicas do início da prospecção de hidrocarbonetos em Portugal e, contrariamente ao alegado pelos defensores da “pseudo-independência” energética nacional, este avanço será contrário ao Acordo de Paris, pois não terá qualquer neutralidade carbónica visto que não estaremos de modo algum a fechar outros poços de petróleo, mas sim a acrescentar ao volume global dos que já estão em produção comercial.

Mais, esta ação vai contra um setor que muito desenvolvimento tem trazido a Portugal, ou seja, o turismo. Numa altura que devemos primar pela aposta na qualidade do turismo e não na sua massificação, as estratégias a longo prazo deste Governo centram-se no inverso. Massificar a produção e bens e serviços para crescer a todo custo em nome da “PIB’omania”.

Relacionado, e como era expectável, as empresas petrolíferas continuam a munir-se das mais convenientes estatísticas e argumentos para reforçar as suas crenças, para defender aquilo que consideram ser a única possibilidade de sobreviver e de prosperar. Talvez seja por isso que elas tenham uma presença tão forte em Bruxelas, perto da Comissão Europeia.

Em qualquer dos casos, seja qual for a entidade, a decisão é, sim, política. E trata-se fundamentalmente de validar uma escolha: ou a manutenção do statu quo industrial e financeiro, que atualmente delapida o ambiente e age a curto prazo em nome de interesses próprios, ou a ruptura com este modelo económico e social obsoleto, datado do século XX, que pouco nos tem trazido além da ilusão de desenvolvimento.

Há que, definitivamente, deixar de olhar para o ambiente como um passivo económico e tratá-lo, filosófica e economicamente, como um ativo ecológico.

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