A elevada abstenção refletiu um misto de desinteresse e falta de informação que torna a nossa democracia mais pobre. Mas a responsabilidade pela abstenção não pode ser colocada apenas à porta dos eleitores; é também dos partidos no Parlamento que têm o poder de legislar soluções para pôr fim ao flagelo da abstenção, mas preferem continuar a fingir que o assunto não passa por eles. Impõe-se tanto uma limpeza dos cadernos eleitorais como uma reforma do próprio sistema eleitoral, não havendo nenhuma força política no parlamento realmente  a manifestar interesse em contribuir para essa mudança.

O tipo de campanha realizado nas europeias provou também que muitos visionam ainda as instituições europeias, acima de tudo, como uma fonte de obtenção de fundos comunitários e não como um instrumento político capaz de mudar as vidas dos cidadãos. Recordo-me de ouvir a ex-eurodeputada Ana Gomes afirmar, num dos debates realizados durante a campanha, que a maioria dos nossos politólogos tem uma ideia datada do Parlamento Europeu e desconhece que, desde o Tratado de Lisboa, o PE tem um maior poder legislativo.

O fato de praticamente todos os partidos (à exceção de um) terem optado por discutir temas nacionais nas suas campanhas, já em preparação para a campanha legislativa, ajudou também a minar as europeias. Desta eleição emergiu um claro desaire da direita, castigada pelas suas opções populistas ou confusas, e um crescimento generalizado da esquerda que permitiu uma maior definição das suas várias tendências políticas.

Curioso notar como as formas tradicionais de fazer campanha de rua — arruadas, outdoors, mega-comícios — têm vindo a perder cada vez mais força e já não garantem necessariamente melhores resultados. Basta notar nos orçamentos altíssimos de várias campanhas e contrastar com os seus resultados obtidos, claramente inferiores às expetativas de eleição.

Já para não falar de que 21,8% dos eleitores votou em outros partidos para além das cinco principais forças políticas. É inevitável que essa percentagem continue a crescer, no sentido de pôr fim ao velho bipartidarismo que tanto tem dominado nos últimos 30 anos.

Nos próximos quatro meses, até às legislativas, veremos um ambiente politicamente tenso marcado por bluffs e campanhas mais duras, desleais, populistas e desonestas. Não sendo tão dramáticas quanto o House of Cards, as legislativas são um campeonato em que, pese embora a maior probabilidade de eleger um deputado em vários círculos, o sistema partidário, com a cumplicidade de parte da comunicação social, organiza-se de forma ainda mais agressiva para barrar a entrada de novos protagonistas. Verdade seja dita, o fenómeno do PAN veio contrariar essa tendência e o partido continua a subir sem depender de cobertura mediática e sem grande escrutínio.

Estará realmente o velho sistema a começar a dar sinais de mudança? As próximas legislativas serão decisivas para percebermos se caminhamos nesse sentido ou se os portugueses irão votar para manter tudo na mesma.