A vitória expressiva do PS nas eleições legislativas de 6 de outubro de 2019 teve um sabor agridoce para o condutor da geringonça. Na verdade, a maioria relativa, ainda que muito à frente do principal – para não dizer único – competidor, não permitiu a António Costa transformar a geringonça no tão desejado veículo todo-o-terreno. Um sonho que as sondagens alimentaram e que parecia estar ao virar da esquina.

Na ótica costista, foi pena que a verba acumulada por Centeno não tivesse chegado para a aquisição do carro que alimentava os sonhos socialistas. Aquele que nenhum obstáculo, a não ser a inconstitucionalidade, poderia parar. As irregularidades do terreno aplanadas como se de uma via rápida se tratasse.

No entanto, o momento da meia desilusão inicial foi curto. António Costa foi lesto a perceber que a maioria relativa poderia ser uma espécie de maioria absoluta. Se os portugueses tinham gostado da geringonça o que diriam os líderes dos restantes partidos quando o vissem ao volante de um calhambeque cor de rosa fluorescente? Uma máquina que, tal como na canção de Roberto Carlos, todos iriam querer buzinar.

A resposta veio de tal forma célere que dispensou o apuramento final da votação. A líder do Bloco não demorou a manifestar essa vontade. Aliás, em oposição ao primo espanhol, o Podemos de Pablo Iglésias, nem exigiu um lugar no calhambeque. Contenta-se com o direito a buzinar, ou seja, a dar palpites, de quando em vez, sobre a estrada a escolher. Mesmo que o condutor não tenha na devida conta o conselho.

Até o Secretário-Geral do PCP, cada vez menos CDU, apesar das mazelas das duas mais recentes derrapagens, foi comedido nas críticas ao condutor da geringonça e não se fez esquisito relativamente à hipótese de dar uma mãozinha na viagem que se avizinha. Tal como o PAN, pois os cuidados com as pessoas, os animais e a natureza não anulam a vontade de dar uma ou duas buzinadelas. Uma forma de marcar presença, embora salvaguardando o impacto ambiental. Para não dar azo ao ditado que fala de frei Tomás. Pelo menos por enquanto. A imagem ainda está demasiado fresca.

Finalmente, António Costa ainda poderá contar com um recém-chegado, o Livre, que, como o nome deixa implícito, está mais do que disponível para compromissos. E nunca se sabe se um deputado não poderá vir a revelar-se muito útil.

Aliás, Costa até não põe de lado a hipótese de vir a convidar o líder do maior partido da oposição no caso de se aventurar a fazer uma viagem mais longa e com previsíveis sobressaltos à esquerda. Coisa para mais tarde até porque primeiro tem de esperar para ver se Rio dispõe de tempo – e não só – para pôr a casa em ordem.

Por agora o calhambeque fica na garagem do Largo do Rato. Precisa de ser convenientemente aprimorado antes de se deixar ver em público. Depois fará uma viagem curta até Belém para ser apresentado. Uma oportunidade para um passeio ainda em modo descapotável. O tempo está de feição. Há que aproveitar antes que comece a época dos ventos e chuvas. Que, como decorre da vida habitual, acabarão por vir. Só que, em tempo de festa, António Costa nem quer ouvir falar da possibilidade de uma eventual tempestade vinda de um sítio impreciso que ora dá pelo nome de conjuntura internacional ora de globalização.

O líder socialista só tem olhos para o calhambeque que os portugueses lhe colocaram nas mãos. Na esperança de que, mais tarde, lhe ofereçam o tão sonhado todo-o-terreno. Afinal, o sonho, ao contrário da maioria dos portugueses, ainda não paga imposto.