Daniel Kahneman tem uma frase onde diz que “há uma grande limitação da nossa mente: a nossa excessiva confiança naquilo que julgamos saber e a nossa aparente incapacidade para compreender a extensão da nossa ignorância e a incerteza do mundo em que vivemos”. Na verdade, a nossa ignorância é maior do que normalmente supomos, pois tem três componentes: o que sabemos que desconhecemos, o que nem sabemos que desconhecemos e o que pensamos que sabemos.
Esta última ignorância está, na verdade, por trás dos nossos enviesamentos cognitivos, que Daniel Kahneman e o seu colega Amos Tversky tanto retratam. Hans Rosling, fundador do Gapminder Project, traz-nos uma réstia de esperança neste mundo de ignorância e enviesamentos, advogando a utilização de dados para melhorar a percepção do mundo que nos rodeia. Tal como Hans Rosling, gosto de pensar que a utilização de dados pode ajudar-nos a tomar decisões e a formar opiniões. É importante aumentarmos a nossa literacia na análise de dados, pois esta pode ajudar-nos a compreender melhor o mundo em que vivemos e a sermos menos suscetíveis a acreditar nas histórias que nos vão contando. Alex Edmans explica a diferença entre histórias, factos, dados e evidências.
Uma história, ainda que verdadeira, não é um facto. Um facto é uma história verdadeira, e dados são coleções de factos. Mas o que nos interessa é basear decisões e opiniões em evidências e não necessariamente em dados ou em factos!
Para construir evidências, temos de analisar muitos dados e verificar se estes nos permitem comprovar ou não uma história ou hipótese. Por exemplo, se um centenário bebe um bagaço todos os dias, este é um facto, mas não é passível de generalização (apenas seria, se muitos centenários em muitos sítios do mundo tivessem em comum hábitos alcoólicos deste género). Para construirmos a evidência, ainda temos de resolver o problema da causalidade. Isto é, podemos encontrar muitos centenários que têm hábitos alcoólicos ou tabágicos diários, mas dizer que é esse fator que causa a longevidade é um passo de gigante (que muitas vezes é dado inadvertidamente, como se fosse natural assumir causalidades sem as comprovar de forma rigorosa).
Portanto, dados não são evidências! Um exemplo muito interessante disso mesmo foi a época pandémica. No início da pandemia, começou-se a recolher dados, muitos dados. Acredito que nunca houve na história da humanidade tanta análise de dados como na altura do COVID-19 (e.g. em 2020 e 2021 o Google Scholar identifica mais de 1 milhão de outputs científicos com a palavra COVID no título. O número de artigos desde sempre com a palavra ‘tuberculose’ é cerca de 240 mil!). E, no entanto, no início da pandemia havia dados, mas não havia evidências.
Para obter evidências, precisamos de uma abordagem científica na análise de dados e na tomada de decisões, utilizando tanto o raciocínio dedutivo (partindo de uma hipótese e testando a mesma) quanto o indutivo (fazendo análises exploratórias de dados que podem servir de base a teorias). Mas, nos dias de hoje, a própria ciência está em risco. Já não basta ser um artigo científico – é preciso perceber quem o escreveu e se há interesses económicos por trás da escrita, onde está publicado (há revistas de topo, de qualidade e revistas predatórias – com comportamentos que muito devem à ética). Por esse motivo, nunca como hoje foi tão importante o espírito crítico. Precisamos de colocar as perguntas certas, precisamos dos dados certos e das análises aos mesmos feitas de forma rigorosa, para podermos de facto chegar a evidências.