Na senda do significativo impacto provocado pelo surto da COVID-19 na atividade económica das empresas portuguesas, muito se tem discutido sobre o conjunto de medidas fiscais e parafiscais aprovadas pelo Governo, com vista a mitigar este impacto e aliviar a tesouraria das empresas. Entre estas medidas, destaca-se a dilação do prazo (em um mês) para realização do primeiro pagamento antecipado de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) ao Estado, sendo que o Pagamento por Conta (“PC”) e Pagamento Adicional por Conta (“PAC”) podem agora ser efetuados até 31 de agosto de 2020 sem quaisquer acréscimos ou penalidades.

Relembrando que a figura do PC (e mais tarde do PAC) foi criada numa lógica de adiantamento do IRC devido ao Estado, sendo que o referido PC (e PAC) é calculado com base no IRC liquidado no exercício imediatamente anterior àquele em que são efetuadas as prestações do referido PC (e PAC). No final de cada exercício, com a submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22, efectua-se o “acerto” entre o montante adiantado durante o ano e o valor do IRC efetivamente devido nesse exercício.

Ou seja, ao invés de a empresa pagar a totalidade do IRC devido em maio do ano seguinte (no caso de empresas que tenham um período de tributação coincidente com o ano civil), o pagamento é fracionado e o seu apuramento tem por base o imposto pago no ano fiscal anterior, numa expectativa de que o resultado a apurar e o imposto a pagar assumam um valor semelhante ao do exercício passado. Estes PC e PAC são efetuados em três prestações que se vencem no final de julho, de setembro e a 15 de dezembro do próprio ano (para as empresas que adotem um ano fiscal igual ao civil). Apenas se prevê a possibilidade de limitar o terceiro PC e PAC, caso se estime que o montante já efetuado é igual ou superior ao IRC que será devido relativamente a esse exercício.

Posto isto e tendo em conta a intenção do legislador ao criar a figura do PC (e mais tarde do PAC) aliada às medidas de apoio às empresas aprovadas pelo Governo face à situação de pandemia, coloca-se a questão se o mero adiamento por um mês do prazo para realização da primeira prestação destes pagamentos cumpre com o objetivo de auxiliar a liquidez financeira das empresas.

Atendendo à realidade do tecido empresarial português, nomeadamente a grande dependência do turismo internacional ou a parcela significativa de PMEs, os efeitos decorrentes da propagação da COVID-19 estão a ser fortemente sentidos. Apesar do levantamento do Estado de Emergência, é ainda grande o clima de incerteza na retoma gradual da atividade empresarial, não se antecipando um regresso breve à realidade “normal” que existia no período anterior ao surto da COVID-19. Assim sendo, é já claro que os resultados a apurar pelas empresas em 2020 estarão longe (para menos) dos atingidos em 2019, o que implicará necessariamente que os PC e PAC a entregar ao Estado não irão espelhar corretamente o imposto a apurar em maio de 2021, sendo expectável que as empresas venham a solicitar significativos reembolsos nesta data.

Face ao exposto e sob pena de a própria figura ficar desvirtuada do seu espírito, entendemos que, em alternativa à dilação do prazo para realização do primeiro PC e PAC, o Governo poderia ter equacionado o perdão deste adiantamento em sede de IRC ou, no limite, ter equacionado a possibilidade de o mesmo ser apurado apenas aquando da liquidação da ultima prestação (15 de Dezembro) e então nesse momento ser apurada a eventual limitação parcial ou total. Ainda que posteriormente se proceda ao acerto, a mera prorrogação do prazo para realização da primeira prestação para agosto de 2020 não altera que seja entregue eventual imposto em excesso ao Estado e implica que este montante pago em excesso apenas seja devolvido às empresas, no melhor cenário, a partir de julho ou agosto de 2021. Ora, face ao atual problema de liquidez, esta solução dificilmente será o que melhor serve o objetivo de aliviar a tesouraria das empresas. Fica a reflexão para que este tema ainda possa vir a ser adequadamente ponderado e reavaliado!