Em primeiro lugar, impõe-se uma declaração de interesses: sou acionista e administrador de um grupo empresarial no sector da engenharia elétrica que emprega cerca de 1.000 trabalhadores no mundo e que já atravessava dificuldades de tesouraria – embora com resultados francamente positivos em 2019 e boas expectativas para 2020 – antes do surto do vírus Covid-19 e da situação de emergência sanitária daí decorrente.

Tal declaração e visão neoliberal da economia não me impedem de sugerir ao Governo um caminho diverso do dos apoios financeiros anunciados, na modalidade de crédito bancário, e do lay-off ou mesmo moratórias bancárias ao dever de cumprimentos das obrigações vencidas. Estes apoios são meros cuidados paliativos às empresas se não forem acompanhados de medidas estruturantes e de recomposição do balanço das empresas.

O Governo, através dos ministérios setoriais e veículos ad hoc, com o apoio das associações empresariais e sindicatos, deveria injetar fundos próprios nas empresas com viabilidade económica (não apostar apenas nas empresas florescentes ou na economia digital, sob pena de todo o tecido económico português ruir), seja através de ações preferenciais sem voto, seja através de outros instrumentos de capital próprio, seja através de sistemas híbridos de “mezanine” (“equity” + dívida subordinada e não remunerada).

Evitava-se, assim, a intermediação do sistema bancário que claramente não está preparado para uma crise como a que estamos a viver, e dispensamos bem outra crise do sistema financeiro inelutavelmente resultante do não cumprimento das obrigações bancárias pela generalidade das pequenas e médias empresas, com o consequente crescimento dos portefólios de “non performing loans” que, a jusante, apenas vão beneficiar os fundos abutres de capitais estrangeiros. Nesse caminho, muito emprego e empresas boas se perderão…

Deste modo, permitia-se o controlo de planos de negócios de cada empresa apoiada, a qual seria beneficiada de um aporte de capital aí previsto (“fresh money”) e fundamentado para sobreviver este período (um ou dois anos), com a necessária diluição dos direitos económicos e/ou políticos dos actuais donos das empresas (proibição de distribuição de dividendos e de reembolso de suprimentos), mas com a possibilidade de estes resgatarem a sua posição pré-crise, através da atribuição de opções de compra ou até, porque não, de cláusulas de saída do Estado através de um processo competitivo de venda, obrigando o acionista privado a vender nas mesmas condições de mercado (“drag along”).

O financiamento de medidas desta magnitude impõe emissões de dinheiro “bazuca”, tipo eurobonds ou coronabonds ou outro mecanismo de recompra de ativos, e é claramente muito mais eficiente do que a ideia parva do helicóptero a distribuir dinheiro diretamente às famílias. Para comprar o quê? São as empresas que produzem os bens e serviços que as pessoas podem comprar e, do mesmo passo, mantêm o emprego e a consequente capacidade de consumir. Esta é a única solução!

Naturalmente, reconheço que o Governo português precisa do aval e coordenação da União Europeia para uma solução com esta dimensão, evitando a penalização pelo brutal agravamento do défice que esta solução representa e uma isenção da proibição de auxílios de Estado, bem como um prazo de amortização da dívida daí resultante, e custo financeiro inerente, que não onere as futuras gerações excessivamente. Mas se não o fizermos, as gerações futuras não nos perdoarão… Pelo caminho, salvam-se milhões de empregos, a sustentabilidade da segurança social, o tecido empresarial, com balanços mais robustos e a possibilidade do Estado fazer, a médio prazo, um bom negócio, com a “privatização” dessas participações sociais.

Esta é uma humilde contribuição de quem tem experiência como advogado de empresas durante mais de 20 anos e é atualmente empresário. Talvez não valha nada, mas talvez valha tudo.

A solução que se encontrou para a banca na última crise não andou longe da que ora preconizo para a generalidade dos sectores económicos e sei bem do papel fundamental que aquela representa na intermediação entre a poupança e o investimento, o que justificou o referido apoio aos fundos próprios. Mas também sei bem do papel fundamental do resto da economia, e quando digo resto é toda a economia real que não financeira, que sem investimento (pelas empresas) e poupança (dos trabalhadores e suas famílias) a banca não serve para nada!