Há um ditado antigo que nos diz: “Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”. Na verdade, é impossível desconfinar sem que o número de novos casos de Covid-19 aumentem, no entanto, é crucial que esse aumento seja o menos acentuado possível para não chegarmos a uma situação de descontrolo que leve à ruptura da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, que está provado ser a única salvaguarda da população na resposta à pandemia.

Hoje, tal como no início da pandemia, este é o cerne da questão.

Chegados a Outubro e passados sete meses desde o início do confinamento a que a pandemia de Covid-19 nos obrigou, eis que somos confrontados com a declaração do Estado de Calamidade em Portugal, com novas limitações das liberdades de circulação das pessoas e novos limites nas actividades de certos sectores económicos.

Em toda a Europa se verifica um acentuado aumento de novos casos de infecção e Portugal não foge à regra. Numa altura em que o ano lectivo recomeçou com o regresso às aulas presenciais, e por conseguinte, da retoma de alguma normalidade de circulação das famílias, esta situação veio acentuar a ansiedade da população. Penso que é muito importante refletirmos sobre o passado com alguma serenidade para melhor podermos compreender o presente e preparar o futuro.

É para mim factual, ainda que tenha de tirar o chapéu a honrosas excepções, que desde o início do desconfinamento e principalmente durante a época balnear, as pessoas foram progressivamente voltando aos seus hábitos normais. Afirmo isto desprovido de censura ou moralidade.

Depois da violência do confinamento, com pais e mães em teletrabalho e filhos em idade escolar, parentes idosos para auxiliar e outros constrangimentos, foi um bálsamo para as famílias poderem tirar férias, ainda que condicionadas pelas normas impostas pela DGS. Temos hábitos sociais próprios de um país maravilhoso como o nosso, uma paz social apreciada por todos nós e gabada por quem nos visita. Por outro lado, é sabido que a economia portuguesa é frágil, assenta essencialmente no sector terciário, no qual se destaca o turismo.

Num contexto de pandemia que veio semear muito desemprego e pobreza, foi um balão de oxigénio que se tentou obter, até porque convenhamos que a generalidade da população passou a temer mais a pobreza do que a patologia. Podemos concordar ou não com a opção política tomada, o futuro dirá se foi boa ou má e não há medalha que não tenha o seu reverso, mas não podemos branquear o facto de se ter dado à população uma (falsa) sensação de normalidade, que se esbarra na dura realidade do aumento desenfreado de novos casos a que assistimos.

O vírus continua em franca expansão na comunidade e agora que um novo confinamento está fora de questão (a ver vamos), tenho de estar preparado para o pior. Nunca sei quando recebo a notícia de que fulano com quem estive em contacto testou positivo e que tenho que ser testado ou isolado, nunca sei quando a aplicação StayAway Covid me identifica contactos de proximidade com elevado risco de contágio, nunca sei quando algum(a) colega ou funcionário(a) das escolas dos meus filhos testou positivo, ou até quando serei eu o primeiro da minha rede de contactos a sentir sintomas e a testar positivo, mas a qualquer altura tal pode acontecer e o que a sociedade espera de mim é responsabilidade.

A pergunta que faço a mim próprio é a seguinte: como posso fazer parte da solução?

Para mim fazer parte da solução é guiar-me pelo bom senso. Não levar a família toda para o supermercado ou para um centro comercial (a título de exemplo) quando basta um elemento do agregado familiar para efectuar as compras necessárias.

Vacinar-me contra a gripe sazonal na qualidade de profissional de saúde. Instalar voluntariamente a aplicação StayAway Covid que é uma ferramenta que muito embora tenha que ser melhorada e melhor explicada à população, é sem dúvida uma mais-valia no combate à pandemia, permitindo identificar linhas de contágio. Seguir as normas de segurança e higiene impostas pela DGS no meu trabalho e em todas as instituições que eu frequentar. Identificar e notificar quem de direito sempre que verificar que não estão a ser cumpridas as mesmas normas, dentro do civismo e pelos trâmites próprios.

Exercer pedagogia positiva nos meus filhos, para que eles saibam como se podem proteger e fazer parte da solução, nunca branqueando a situação problemática que vivemos, mas adequando a linguagem à sua faixa etária. Ser muito racional na interpretação dos sinais do meu organismo, guiando-me pela informação de fontes fidedignas como a DGS ou Ministério da Saúde e nunca pelo que me chega pelas redes sociais e grupos do Whatsapp, privilegiando sempre numa primeira fase um contacto com a Saúde24 ou o Serviço de Saúde Ocupacional da instituição onde trabalho.

Acima de tudo ajuda não deixar de viver e fazer as coisas que me fazem a mim, à minha esposa e aos meus filhos felizes, como actividades lúdicas, desportivas e culturais, passear em família, jantar fora, entre outras actividades pois o mundo não foi pensado para parar e a economia tem que andar o melhor possível. Claro está, cumprindo, sempre, as normas de segurança e higiene!

Estou optimista em relação ao futuro. Pertenço a uma população que tem um sentido de responsabilidade e espírito de sacrifício que têm sido apanágio de nove séculos de história. Nunca nos podemos esquecer que se em Março o país entrou em confinamento generalizado, foi muito à custa da pressão exercida pela sociedade civil. Tenho a certeza de que essa mesma sociedade civil saberá estar à altura desta nova realidade, pois corremos uma maratona e não um sprint de 100m.

A prudência responsabiliza, o medo petrifica. Coragem Portugal!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.