A campanha eleitoral para as eleições autárquicas é um momento com características especiais no calendário nacional.
As autarquias locais constituem um instrumento descentralizado de exercício de funções administrativas, prosseguindo os interesses das populações respectivas, por quem os seus titulares são directamente eleitos, sendo para isso dotadas pela Constituição e pela Lei, de autonomia administrativa e financeira.
São, por isso, especialmente vocacionadas para, ao nível local, interpretar directamente as ansiedades e aspirações das populações, de quem estão muito mais próximas do que os órgãos de Governo ou da Administração Central, e agir em função do que entendem corresponder melhor a essas ansiedades e aspirações.
Seguindo esta óptica, deveríamos, em cada Concelho ou Freguesia, discutir temas especialmente relevantes para os munícipes e fregueses –ordenamento territorial, habitação, ambiente, acessibilidades, transportes públicos, saneamento, licenciamentos, programas sociais de âmbito local, incentivos ao estabelecimento de empresas e criação de empregos, tarifas por fornecimentos, bens e serviços a cargo das autarquias, subidas ou descidas de derramas municipais e muitos outros assuntos da mesma natureza.
Como é evidente, os candidatos não descuram estes temas durante a campanha eleitoral, uma vez que muitos deles afectam, directa e diariamente, os seus eleitores locais. E por isso, procuram apresentar propostas para cada um deles, na expectativa de que essas propostas sejam bem interpretadas e aceites pelos eleitores, e se transformem em votos.
As eleições autárquicas constituem, por isso, para os eleitores, uma excelente oportunidade para influenciarem directa e democraticamente a gestão do local onde vivem e passam a maior parte da sua vida.
Assim sendo, a campanha eleitoral devia ser essencialmente virada para a discussão de temas locais, sendo que os resultados reflectiriam o julgamento que os eleitores locais fariam ou deixariam de fazer sobre as propostas de âmbito local que as estruturas políticas (núcleos municipais de partidos políticos nacionais ou associações de munícipes ou fregueses) lhes tivessem apresentado, e sobre as personalidades individuais dos candidatos, que estariam muito mais próximos do eleitorado. Na forma como o sistrema está concebido, seriam 308 eleições municipais, ou 3.258 eleições ao nível das Freguesias, não uma eleição nacional.
E, no entanto, o cenário real é muito diferente.
As eleições autárquicas são vistas pelos estados-maiores dos partidos políticos, pela comunicação social e por muitos eleitores como um fenómeno com repercussões nacionais. Por isso, os temas a que se atribui maior visibilidade ou são de âmbito nacional, ou os que afectam as grandes cidades, que na maior parte dos Concelhos e Freguesias do interior não têm relevância.
Há também a noção de que existirá um Partido que será o vencedor nacional, e diversos critérios para definir esse vencedor: ganhar o maior número Presidências de Câmaras Municipais garante a presidência da Associação Nacional de Municípios e a posição de principal partido autárquico; vencer as principais capitais de Distrito, ou em Lisboa e Porto, vencer mais Presidências do que as que anunciou como objectivo são também critérios de vitória.
Por isso, a campanha eleitoral está desviada dos objectivos com que foi concebida, e está transformada naquilo que não devia ser – uma campanha de âmbito nacional. É pena.