Futuro do dinheiro vai passar pela tokenização, com os NFT e os ‘smart contracts’, entre outras inovações. Esta revolução permitida pela digitalização será o próximo capítulo do milenar percurso do dinheiro, que começou na pré-História.
O dinheiro é mais antigo que a História. Milhares de anos antes de surgir o primeiro documento escrito, já os humanos da pré-História utilizariam ossos de animais para contabilizar determinados bens. Podemos também argumentar que dinheiro e moeda não são a mesma coisa, pois o primeiro será um conceito intangível, ao passo que a segunda será a sua manifestação tangível. O dinheiro assenta nos números, enquanto a moeda é composta por objetos, notas ou linhas de código que servem para trocar bens e serviços e armazenar riqueza.
Assim, o dinheiro enquanto conceito intangível terá surgido no exacto momento em que alguém reconheceu, perante outra pessoa, que lhe devia algo. São disso exemplo as tábuas com registos de dívidas, que se utilizavam na antiga Mesopotâmia e no Egipto faraónico. O detentor dessas tábuas poderia exigir o pagamento em cereais ou outros bens, ou mesmo escravizar o devedor; e quando essas tábuas se partiam, como sucedia nos jubileus que o Antigo Testamento prescreve de sete em sete anos, o júbilo era geral.
Mais tarde, indo além da troca direta de bens, que sempre existiu nas sociedades agrárias, materiais como o centeio, a cevada e o sal (que era essencial para a conservação dos alimentos e está na origem da palavra “salário”) foram utilizados como moeda, um pouco à semelhança do que sucede nos nossos dias com o tabaco, em determinados contextos onde não existem outras formas de pagamento.
Estas primitivas formas de moeda tinham a vantagem de facilitar o comércio. O economista Carl Menger (1940/1921) sustentava que a moeda fez com que as pessoas deixassem de ter de perder tempo a tentar encontrar quem quisesse trocar determinado bem, facilitando as transações. Porém, o surgimento do comércio de longa distância obrigou à utilização de materiais menos perecíveis, mais fáceis de transportar e armazenáveis durante longos períodos de tempo. Daí o recurso a metais preciosos como o ouro e a prata, que além de serem duradouros têm valor intrínseco, são divisíveis e, no limite, podem ser derretidos. Havia ainda outra vantagem: como as dimensões eram padronizadas, deixava de ser necessário pesar os metais antes de cada transação. Assim, as primeiras moedas de prata, cobre e bronze terão sido cunhadas na China, na Índia e na costa do Egeu, no século VII a.C..
Segundo Heródoto, a primeira moeda de ouro foi cunhada por Creso, o semi-mítico rei da Lídia. Este rei da antiga Anatólia, que deu origem à expressão “rico como Creso”, foi mais tarde derrotado por Ciro, o Grande, o fundador do império persa, que depressa se apercebeu do potencial da moeda como catalisador do desenvolvimento económico. Utilizando o know how dos artífices do reino conquistado, algures por volta de 546 a.C. Ciro lançou o “dárico”, uma moeda com cerca de 220 gramas de ouro que rapidamente passou a ser utilizada como divisa internacional da época.
Daí em diante, o dinheiro passou a existir na forma de moeda cunhada por cidades-estado, reinos e impérios, ostentando imagens de divindades ou a efígie do soberano reinante, para atestar a sua autenticidade. Quanto maior a importância do comércio, maior era a quantidade de moeda em circulação, como se viu nos impérios mercantis de Atenas e Cartago.
Os romanos difundiram esta economia monetária em todo o seu império e para além do mesmo, uma vez que faziam comércio com países longínquos como a Índia e a China, onde também foram encontradas moedas com as efígies dos césares. O legado romano é tão significativo que o denarius de prata está na génese da nossa palavra “dinheiro”, enquanto o emblemático solidus de ouro está na origem de “soldo” e “soldado”. Já a palavra “moeda” vem de “Moneta”, um dos epítetos da deusa Juno. Foi no templo de Juno Moneta que durante 400 anos foram cunhadas as moedas de Roma.
Futuro passa pela tokenização
Hoje, dois mil anos volvidos, o dinheiro é cada vez menos físico. A maior parte das transações que se fazem são realizadas através de transferência eletrónica e, desde 1971, com o fim do sistema de Bretton Woods, as principais divisas mundiais passaram a ser moedas fiduciárias, deixando de estar garantidas por ativos físicos como o ouro. E depois do surgimento da Bitcoin e de muitas outras criptomoeadas, nos últimos 15 anos, está a chegar a era das govcoins, com o euro e o dólar digitais, que prometem revolucionar os pagamentos e, talvez, a própria natureza do negócio da banca.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo JE, o futuro passará, cada vez mais, pela tokenização, que consiste na transformação de bens físicos e de produtos financeiros em ativos digitais, por exemplo através dos smart contracts e dos NFT. “Em breve, poderemos usar, combinar e trocar novas formas de valor e praticamente qualquer tipo de ativo”, disse ao JE a Country Manager da Mastercard Portugal, Maria Antónia Saldanha.
“Ou seja, caminhamos para um mundo tokenizado, um futuro em que quase tudo pode ser representado por um token digital discreto e em que as aplicações emergentes podem levar-nos a novos ativos que vão servir como instrumentos de pagamento. Estes tokens vão mudar a forma como registamos os nossos bens pessoais e vão proporcionar-nos maior flexibilidade financeira, porque permitem a utilização integrada de moedas alternativas, de ativos físicos e dados pessoais de forma contínua e segura”, acrescentou.
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