Só um ser perfeito pode dar a um individuo imperfeito a ideia dele mesmoDescartes

Neste decurso pandémico e de como cruzá-lo com alguma lógica científica, dei comigo a pensar nele numa perspetiva ontológica e antropológica, na dúvida de qual constituirá, simultaneamente, a cara e a coroa desta moeda filosofal. Apesar de aqui virtual, tem tão de real na coleta universal.

Na ontologia unificamos, ordenamos e vemos para fora, através de um ponto. Ela, enquanto tratado dos seres e das coisas, trata de tudo e não trata de nada (em particular). Visando provar que o mundo, o Homem e Deus são entes – e, como tal, reais –, preocupa-se com que o que é comum a todas as coisas e não com o abstrato. A ontologia diz muito acerca de tudo em universal: é para toda a realidade. Assim, o nada é a negação do ente. Aristóteles, fundador da ontologia (chamou-lhe, também, «ciência divina» e sabedoria), não foi o primeiro a falar de abstração, mas o primeiro a formar a teoria do conhecimento abstrativo, conatural ao conhecimento humano. Isto é, vivem juntos. Já a mística é o contrário de abstração, porque é pura intuição.

Para S. Tomás de Aquino o objeto mais radical e mais próprio é o ente como ente, nos seus princípios extrínsecos e intrínsecos. Abordar o mundo ontológico é entrar, também, na teologia filosófica e na metafísica moderna, a partir de referências como Descartes, Kant, Heidegger e Nietzsche. Pois Deus, como termo de abertura, não é um objeto próprio, porém apresenta-se, ontologicamente, como o «ser puro» enquanto mistério pessoal, transcendente e absoluto. Para Heidegger, o homem não pode sair do tempo nem atingi-lo diretamente, mas por uma relação-causa – como termo –, razão do «ser total» (= Deus). Defende que o ser e o nada são “um movimento do devir”.

Muita dessa crítica surgiu nos anos 80 (séc. XX), sobretudo após a queda do «muro de Berlim» (1989), em que a relativização da cultura ocidental e moderna provocou esta globalização da cultura e da civilização, com os contrates do comunismo que fez dividir o mundo em blocos e em dois cenários. Um, o dos neoconservadores, que advoga à renovação; e outro, o dos pós-modernos (que são radicais), que advoga ao niilismo. Estes negam Deus e toda a forma de metafísica; fixam-se no imediato, no fragmento, no último; e defendem o hedonismo e a individualismo. A consequência para a metafísica é que haverá um novo paradigma para a ontologia.

A nova realidade do niilismo – tantos insistem em cair nele e não lhe resistem – implica um novo sentido de ver a natureza e de responsabilidade a esta evolução cósmica. O que leva a ontologia a versar sob o ente sendo pelo ser (= ente existente), no ser (= subsistente) e para o ser (= para-existente), que nele se manifesta e ocupa como mistério, ora pessoal ora espiritual, além de moral e intelectual. Por isso, este é um método reflexivo e dialético. Por conseguinte, é indutivo e dedutivo – ou seja, há generalização e particularização – e é sintético a priori, como referiu Kant.

Muita desta pandemia parece não ter qualquer lógica e absorve-nos muito da nossa mente. E aquilo que ela sente. Contudo, a ontologia é anterior à lógica, porque trata de toda a realidade e de todo o pensamento que está dentro de nós. Portanto, o ser é a razão pela qual as coisas existem: é comum à lógica e à realidade. Mesmo que não a compreendamos, temos de assumi-la, já que ela existe. E na contingência desta viral-essência, o ter de ser está sujeito a uma lei de necessidade, chamada destino.

É da experiência pessoal e coletiva o seu sentido, bem como antes um ter de ser sujeito à liberdade que, num prato da balança, se presume como «dever ser» – a durabilidade pela vontade – e, no outro prato, como «poder ser» – a transitoriedade na possibilidade. E a boa conjugação de ambas, medidas e comedidas, faz com que – nesse equilíbrio com brio – se reduza a factualidade da fatalidade (tão presente em cada dia covidenho) e toda a sua sinistralidade!