Para escrever sobre este tema socorro-me da minha experiência como advogado, com mais de 25 anos de experiência em operações de M&A, agora reforçado pelo conhecimento adquirido como administrador de um grupo de empresas que sofre dos efeitos económicos trazidos pela crise sanitária que vivemos.

O tema em apreço veio à baila com o plano estratégico do PSD, bem-intencionado e estruturado, passe o populismo da afirmação de Rui Rio de que bastaria trazer para Portugal cinco “Autoeuropas” e estaria tudo resolvido. Como se atrair cinco projectos de investimento directo estrangeiro daquela dimensão fosse fácil, sem a necessária revisão estrutural do ambiente fiscal, judicial e laboral. Se conseguirmos reter a Autoeuropa já ficaria satisfeito.

O tema é retomado pelo Governo com a publicação do Programa de Estabilização Económica e Social (“PEES”), em que se estendem a admissibilidade e a transmissibilidade dos prejuízos fiscais para concentrações de PMEs e para empresas em dificuldades económicas que sejam adquiridas, respectivamente.

Ora, porventura porque sou administrador de uma grande empresa, irrita-me que estas medidas (como tantas outras) do PEES sejam somente aplicáveis a PME, deixando de fora as grandes empresas, precisamente aquelas que se perfilham para serem as empresas adquirentes e absorventes num processo de fusão.

Concordo com a promoção do mercado de controlo de empresas através da criação de medidas de apoio às fusões e aquisições, permitindo que empresas saudáveis possam adquirir empresas com problemas de solvabilidade, permitindo manter empregos e criação de riqueza.

Aliás, existem já, no nosso ordenamento jurídico, medidas de promoção eficiente das fusões e aquisições. O regime da neutralidade fiscal em sede de IRC conferido às operações de concentração permite o “roll over” da tributação dessas operações, o regime previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais permite a não tributação em sede de IMT, imposto de selo e emolumentos e, finalmente, permite-se, em termos limitados (agora com o PEES de certa forma alargados), o aproveitamento dos prejuízos fiscais da empresa adquirida.

Então, pergunta-se, o que falta fazer? Diria que basta desburocratizar os benefícios fiscais, dispensando os requerimentos à Administração Fiscal, permitir ainda com maior latitude o “off-set” dos prejuízos fiscais da empresa absorvida ou adquirida e de modo automático e, finalmente, permitir as operações de “leverage buy-out”, em que seja possível que a empresa adquirida suporte, com o seu “free cash flow”, a dívida, e os encargos financeiros dela resultantes, contraída para a sua aquisição.

Para tanto, é necessária a implementação da Directiva comunitária 2006/68/CE de 6 de setembro de 2006 que permite, em certas condições, a assistência financeira e alterar a actual proibição da assistência financeira, prevista no Código das Sociedades Comerciais, que veda que uma sociedade possa emprestar ou por qualquer forma garantir a dívida para comprar as acções por si emitidas.

É imperioso que com a fusão das empresas adquirente e adquirida, para além daquele efeito automático dos activos da empresa adquirida passarem também a responder pela dívida global da sociedade resultante da fusão, a Administração Fiscal, independentemente do sentido da fusão (invertida ou não), aceite como custos fiscais os encargos financeiros da dívida que se contraiu para a aquisição de uma empresa.

E tal como agora se permite, com o PEES, que uma empresa adquirida possa transmitir os seus prejuízos fiscais à empresa adquirente igualmente se deveria permitir que se pudesse deduzir os encargos financeiros da dívida contraída para a aquisição nos lucros da sociedade adquirida, sem que fosse necessária a fusão entre as empresas adquirente e adquirida.

Por outro lado, é preciso que a Autoridade da Concorrência veja estas operações de fusão e aquisição com outra perspectiva – a dos efeitos na economia – e que a manutenção do emprego, a criação de riqueza que se protege, a empresa como valor autónomo e concorrencial, sejam critérios para uma decisão de não oposição a uma operação de concentração a par dos puros constrangimentos jus-concorrenciais decorrentes de uma concreta operação de concentração.

Como é que protege o consumidor? Porventura, nesta fase pandémica, esse crivo deve-se efectuar num momento posterior à concentração, evitando práticas ilícitas de concorrência por parte da empresa adquirente ou resultante da operação de concentração.

Espera-se que a Autoridade da Concorrência não adopte uma postura semelhante ao da Autoridade de Protecção dos Dados Pessoais em que, ao arrepio da teoria do conflito de deveres, queria proibir o controlo da temperatura aos trabalhadores de uma empresa. Trata-se de facilitar o sair da crise económica gravíssima em que vivemos e não criar obstáculos formais e impeditivos das operações de concentração.

Em síntese, manter o regime da neutralidade em sede de IRC, atribuir automaticamente os actuais benefícios fiscais de isenção de IMT, imposto de selo e emolumentos, permitir que os activos da sociedade absorvida ou adquirida possam também responder pela dívida contraída para a sua aquisição, aceitação dos encargos financeiros como custos fiscais, uma atitude desburocratizante e colaborativa dos reguladores independentes, e, o mais importante, permitir sem limites quantitativos, de tempo ou restrito a PME (como faz o PEES) a dedução dos prejuízos fiscais da empresa absorvida ou adquirida nos lucros futuros da empresa resultante da operação de concentração ou na empresa adquirente, são os aspectos fundamentais para uma resposta eficiente à actual crise económica e verdadeiramente incentivadores de um mercado de controlo de empresas.