Prestamos pouca atenção ao que se diz em Davos. Naquela aldeia da Suíça confluem os maiores decisores políticos e económicos do mundo. Este ano, mais de 1.500 aviões privados voaram até lá, entre outras coisas, para ouvir Sir David Attenborough falar de alterações climatéricas. Maior incoerência é difícil.
Mas, o tema da automação do trabalho, dos progressos feitos em Inteligência Artificial e da digitalização da atividade económica são, hoje em dia, a tela de fundo contra a qual todos os debates se desenrolam. E começam a emergir algumas verdades.
A primeira é que os ganhos de produtividade que decorrem da aplicação destas tecnologias são, na sua quase totalidade, arrecadados pelos detentores do capital. Segundo o Economic Policy Institute, um think tank norte-americano, entre 1948 e 1983, os ganhos de produtividade e os aumentos salariais evoluíram a par e passo. Desde esse ano, porém, e até 2017 a produtividade aumentou 143% mas os salários cresceram uns meros… 14%.
A segunda e ineludível verdade é que, enquanto o discurso público em Davos é de tentar evitar o desaparecimento do trabalho por via da automação e da Inteligência Artificial, e mesmo desenvolver sistemas “centrados no homem” providenciando redes de segurança para todos, a verdade, dizia, é que, na atividade diária de uma empresa é impossível deter a corrida desenfreada de redução da presença humana em favor de um sistema, de um robô, de um software.
Se assim não o fizer, o nosso “Davos Man” perde o direito ao avião privado que aqui o trouxe. Já passear pela Davos Promenade e infiltrar-se nas conversas de consultoras e consultados revela que, em privado, o “nirvana” do mundo dos negócios são as “lights-out factories” (fábricas sem luz, onde apenas operam máquinas), o machine learning de auto-aprendizagem, a automação absoluta de todas as atividades conhecidas pelo homem, incluindo as chamadas atividades de alto envolvimento emocional, como o cuidado de idosos (incrivelmente uma experiência no Japão parece apontar para o êxito dos robôs de companhia…) ou mesmo artísticas e criativas, como a composição musical e a pintura.
Tudo isto resultará no desaparecimento maciço de empregos à escala global, de forma tal que, no mínimo, a geração de transição amargará o desaparecimento do seu trabalho sem capacidade para se readaptar em tempo útil às novas realidades. Mohit Joshi, o presidente da gigante indiana Infosys afirma, com algum pudor: “Antigamente as pessoas pediam ganhos de produtividade de 5% ou 10%. Hoje fala-se abertamente em desempenhar todo um ciclo de produção com apenas 1% das pessoas.”
Toda uma linguagem existe hoje para escudar os acionistas e os gestores da realidade. As tarefas não desaparecem, são “digitalizadas”. As pessoas deixam de “desempenhar tarefas repetitivas”. Na realidade, são dispensadas. Os radiologistas não são tornados inúteis. São “pivotados” para outras especialidades.
Quem ouve o Terry Gou, Chairman da Foxconn, que não está tolhido pelos nossos valores ocidentais, fica de coração gelado: o plano é eliminar 80% dos postos de trabalho nos próximos 5 a 10 anos. Como emprega um milhão de pessoas, é fácil fazer as contas.
Se têm dúvidas sobre o que aí vem, vão a Davos. É o próprio World Economic Forum que prevê que 1.370.000.000 pessoas perderão o seu emprego na próxima década. E que apenas um em cada quatro reencontrarão trabalho.
Da próxima vez que ouvir falar da indústria 4.0, já sabe do que se trata. É a mesma que garante que 1% das pessoas detenham hoje 50% da riqueza mundial. E que esse 1% detenha mais de 65% dentro de dez anos. Davos dixit.