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DCIAP vai investigar venda de imóveis do Novo Banco

Ministério Público revelou ao Jornal Económico que a carta enviada pelo primeiro-ministro na qual pede a suspensão da venda de ativos do Novo Banco até que esteja concluída a auditoria que está a ser feita pela Deloitte seguiu para o Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos e para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
18 Agosto 2020, 12h00

O Ministério Público (MP) vai investigar a operação de alienação de 13 mil imóveis do portfolio “Viriato”, realizada em 2018, em que o Novo Banco foi o vendedor e também o financiador de um fundo de investidores anónimos nas ilhas Caimão. O Ministério Público revelou ao Jornal Económico que a carta do primeiro-ministro seguiu para “análise e sequência” do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos e para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

António Costa enviou em julho uma carta à procuradora-geral da República, Lucília Gago, em que pedia a suspensão da venda de ativos do Novo Banco até que fosse concluída a auditoria que está a ser feita pela Deloitte, tendo a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmado estar a analisar o pedido.

O Jornal Económico perguntou ao MP a 29 de julho se iria investigar a operação de alienação de 13 mil imóveis do portfólio “Viriato”, realizada em 2018, como foi noticiado pelo jornal “Público”. Fonte oficial da PGR revelou agora ao Jornal Económico que “a carta do primeiro-ministro foi encaminhada para o Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos e para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal para análise e sequência, no âmbito das competências dos referidos Departamentos”.

O Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos é um órgão de coordenação e de representação do Estado em juízo, a quem cabe entre outras funções a “representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, em casos de especial complexidade ou de valor patrimonial particularmente relevante, mediante decisão do procurador-geral da República”, assim como “organizar a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais” e “preparar, examinar e acompanhar formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado”. Já o DCIAP é o responsável pela coordenação e direção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, económico-financeira altamente organizada ou de especial complexidade.

A análise ocorre depois da instituição liderada por António Ramalho ter enviado a 27 de julho para a PGR documentação relativa à venda de carteiras de ativos imobiliários. Tal como avançado pelo Jornal Económico, foram entregues um “conjunto de informação exaustiva” sobre a venda de duas carteiras de ativos imobiliários, denominados por projeto “Viriato” e projeto “Sertorius”.

No centro da polémica está a venda de um lote de 200 imóveis com desconto de 70% que provocou perdas de 328 milhões no Novo Banco. O pedido do primeiro-ministro em julho seguiu por carta com vista ao desenvolvimento de “procedimentos cautelares adequados à proteção dos interesses financeiros do Estado” e surgiu depois de o líder do PSD sugerido uma investigação aos negócios do Novo Banco, que acusou de estar a “vender ao desbarato” um conjunto de imóveis do grupo, nomeadamente em relação à venda de um lote de imóveis a um fundo de investimento, o Cerberus.

A 24 de julho, o líder do PSD, Rui Rio, sugeriu uma investigação aos negócios do Novo Banco, que acusou de estar a “vender ao desbarato” um conjunto de imóveis do grupo, nomeadamente em relação à venda de um lote de imóveis a um fundo de investimento, o Cerberus. Em causa está a venda de um conjunto de cerca de 200 propriedades ao fundo de investimento Cerberus – que tem ligações ao ex-chairman e atual presidente do conselho geral de supervisão do banco, Byron Haynes –, há cerca de um ano. Uma operação realizada com um desconto de perto de 70% sobre o valor dos imóveis e que se saldou em perdas de 328,8 milhões de euros para o Novo Banco.

“Tudo quanto temos visto e ouvido é já suficiente para que o Ministério Público se possa debruçar sobre a forma como este contrato de venda do Novo Banco à Lone Star tem vindo a ser executado”, defendeu o líder social-democrata no Parlamento. Segundo Rio, mesmo que seja legal esta ação é “eticamente muito questionável e carece de pormenorizado esclarecimento”, defendendo por isso haver matéria para investigação.

Na sequência das afirmações de Rui Rio no debate do Estado da Nação, António Costa reagiu e decidiu pedir a intervenção do Ministério Público, segundo o “Expresso”, para que este desenvolva “os procedimentos cautelares adequados à proteção dos interesses financeiros do Estado”, até que a auditoria esteja concluída e que seja possível fazer um “cabal esclarecimento da grave alegação proferida pelo senhor deputado Rui Rio”, de acordo com a  carta enviada à PGR.

Costa alega que o Estado “tem legitimidade para agir”, uma vez que a venda tem “impacto nas responsabilidades do fundo de resolução”, pelo que não se trata de uma mera “questão de interesse dos acionistas”.

No debate do Estado da Nação, António Costa, em resposta a Catarina Martins, que também se referiu às notícias sobre os alegados negócios lesivos para o Estado, revelou ainda que o Governo tinha recusado o pedido feito pela Deloitte para adiar o prazo de entrega da auditoria ao Novo Banco, insistindo que a auditora conclua o documento até à próxima semana, 31 de julho. Em causa está a auditoria que teve na base da polémica entre António Costa e o ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, depois de este ter autorizado a última transferência de 850 milhões de euros para o fundo de resolução sem que o primeiro-ministro estivesse a par do calendário. Isto depois de ter prometido no Parlamento que qualquer nova injeção de capital só aconteceria depois de conhecida a auditoria da Deloitte.

Em entrevista ao Jornal Económico, o chairman do Novo Banco, Byron Haines, disse que a venda da carteira de imóveis foi competitiva e que não foi feita com desconto, justificando que foi a qualidade dos ativos que integraram o projeto “Sertorius” — assim como as outras três carteiras de ativos vendidas entre 2018 e 2019 — que pressionou o preço de venda para baixo e sublinhou que estas vendas minimizaram as perdas para a instituição financeira.

“Estamos muito satisfeitos com os resultados e com o timing das vendas. Foram no momento certo e capturaram a subida dos preços no mercado imobiliário. Infelizmente, os processos de due diligence concluíram que a qualidade dos ativos era chocante. Tenho 25 anos de experiência na indústria financeira e a qualidade de alguns ativos foi do pior que vi na minha vida profissional, e foi a qualidade dos ativos que pressionou, para baixo, o preço do mercado”, realçou Byron Haynes, garantindo não ter tido contacto com o fundo Cerberus desde que saiu do Bawag Bank.

Um negócio apontado como ruinoso

Em agosto do ano passado, o Novo Banco vendeu um lote de quase 200 imóveis com um desconto próximo de 70%, a entidades ligadas ao fundo norte-americano Cerberus, revelou o “Público” no passado dia 8 de julho. Com esta operação, que ocorreu num contexto em que o mercado imobiliário em Portugal se valorizou 15,6% em cinco anos, a instituição liderada por António Ramalho terá sofrido perdas de 328,8 milhões de euros.

De acordo com o jornal, os indícios de conflito de interesse e de eventuais decisões ruinosas no Novo Banco deram origem a uma queixa reportada à ESMA, Autoridade Europeia de Mercados e Títulos. A reclamação exige que se apure se “pessoas politicamente expostas” estiveram envolvidas na transação. Em causa está o facto de o fundo Cerberus ser o principal acionista do banco austríaco BAGAW P.S.K. que foi gerido por Byron Haines até este assumir o cargo, em outubro de 2017, de chairman no Novo Banco.

A 7 de agosto de 2019, o Novo Banco vendeu por 159 milhões de euros um lote de 195 propriedades agregadas a sociedades detidas indiretamente pelo fundo Cerberus. O valor bruto contabilístico da carteira de ativos imobiliários era de 487,8 milhões de euros e o conjunto incluía 1.228 unidades individuais, de diferentes usos.

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