Os ministros das Finanças e os governadores de bancos centrais do G20 aprovaram um sistema de fiscalidade para as multinacionais, a fim de travar ou de tentar travar o “dumping” fiscal.

Foi preciso uma pandemia e uma crise económica sem precedentes a ela associada, com um retrocesso na ordem dos 4,2 por cento, para os representantes políticos dos países que contribuem com 80 por cento do PIB mundial se sentarem à mesa para negociar as bases de uma economia futura mais equilibrada quanto à tributação das empresas gigantes, designadamente as que dão pelos nomes de Google, Apple, Starbucks ou Ikea.

Há cerca de dois anos, os EUA conseguiram evitar a chamada “taxa Google”, proposta pela França, país que pretendia tributar em três por cento as empresas digitais com receitas globais superiores a 750 milhões de euros, ou ganhos superiores a 50 milhões na Europa, taxa essa bloqueada pelo anterior secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, o qual, em julho de 2019, avisou claramente Macron que “nenhum país pode impor unilateralmente e a seu bel-prazer qualquer imposto sobre empresas de tecnologia de ponta”, no que foi inteiramente secundado pelo próprio Donald Trump na cimeira da NATO de 3 de Dezembro, lembrando ao actual inquilino do Eliseu que se há países que sempre precisaram, precisam e continuarão a precisar dos americanos a França é, seguramente, um deles.

Não tendo a França, e a Europa, outro remédio que não o de encarar evidências seculares, esperou e negociou. Como sempre, falou mais alto a “Realpolitik”.

Agora, se tudo correr bem (convirá recordar de que se trata de 130 países e de 139 jurisdições), lá para o final do ano que corre, as multinacionais, mesmo as que não disponham de presença física nos países onde operam, passarão a pagar impostos, e a incidência de uma taxa mínima no valor de 15 por cento será coletada às que apresentem uma faturação acima de 750 milhões de euros. Claro que tudo isso, em desenho, é muito bonito. Mas, uma vez que compartilhar impostos pede compartilha global de informação sobre a atividade comercial dessas empresas, já se vê daqui que se está perante uma tarefa que se afigura de muito difícil execução.

Calcula-se que as multinacionais desviam anualmente cerca de 40 por cento dos lucros para jurisdições de conveniência, de baixa ou de nula tributação, sempre através de extraordinárias engenharias financeiras e através de complexas teias de paraísos fiscais e de sociedades “offshore”. Ora bem, se essas multinacionais podem pagar nada ou quase nada de imposto de sociedade e manipular os seus ganhos, pergunto, por que razão passariam a portar-se bem, a declarar a tempo e horas todos os seus rendimentos, aceitando a partilha de informação contabilística até então sigilosa?

Mais duas perguntas: e o que dizer de países, como a Irlanda, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Hungria e Estónia onde os seus orçamentos anuais vivem do alojamento das grandes empresas? Abdicarão eles das aplicações dos investimentos criados e dos milhões que lucram em troca de compartilhas de impostos?

Última pergunta: acordos entre empresas e países (“tax ruling”) que fixam regimes tributários mais vantajosos para as atrair irão terminar?

No entanto, a divulgação de documentos, em 2014, conhecida como “LuxLeaks”, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que deu a conhecer ao mundo os acordos secretos entre o governo do Luxemburgo e mais de 340 empresas celebrados pelo então primeiro-ministro daquele grão-ducado, Jean-Claude Juncker, e posterior presidente da Comissão Europeia, permitindo ao HSBC, um Banco britânico, e a empresas tais como o Ikea, a Pepsi, a Amazon, a Apple, a Accenture, a Burberry, entre outras, de pagar entre um e dois por cento de impostos.

Os regimes tributários negociados que beneficiam uma determinada empresa não são ilegais, desde que não atribuam vantagens que distorçam a concorrência, nada impedindo que cada país possa determinar o imposto a pagar pelas sociedades/empresas que nele operam. Para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a pedra-de-toque está em decidir se “o regime tributário negociado, constitui ou não uma ajuda ilegal do Estado à empresa”. Se sim, viola o Tratado da União Europeia quanto às regras comuns relativas à concorrência, e à fiscalidade.

Em Maio aquele Tribunal anulou a decisão da Comissão Europeia de obrigar a Amazon a devolver ao Luxemburgo 250 milhões de euros, por não se ter provado que eram ilegais ajudas de Estado. Anteriormente, em 2019, decisão igual beneficiou a Starbucks com “tax ruling” negociada com os Países Baixos, estando em causa a devolução de 30 milhões de euros.

Com esta confusão de regimes tributários, negociados segundo os interesses das empresas e dos países, Bruxelas optou pela solução de um acordo internacional no seio da OCDE. Para já, a caminho nos encontramos da revolução da tributação empresarial, que poderá mobilizar 100.000.000 dólares (cerca de 85.000.000 euros) entre países, de acordo com as estimativas da OCDE.

Com tanto dinheiro em jogo, o melhor é aguardar para ver as coletas, pois de boas intenções todos sabemos como está o inferno…