A novela escrita a várias mãos acerca do império Espírito Santo anuncia, numa base quase semanal, novos capítulos e sequelas. Agora foi o contributo da SIC, que na excelente reportagem “Assalto ao Castelo” argumentou e parece ter demonstrado – a acreditar na autenticidade e no conteúdo dos documentos inéditos que aí chamou à colação – a existência de uma fatia de responsabilidade adicional atribuível ao Governador Carlos Costa no caso BES.
Ficou claro, para qualquer espectador médio, que a inoperância do “castelo”, assente na inacção do Governador, aparentemente receoso e assustado com a possibilidade de criar uma crise, esteve no fulcro da crise criada, com prejuízos causados transversalmente, dos aforradores aos investidores, passando pela credibilidade interna e internacional do sector bancário Português e dos respectivos órgãos e procedimentos de supervisão. Dito isto, parece-me necessário vincar o que é óbvio.
As coisas têm os seus tempos próprios e os seus mecanismos institucionais de enquadramento, como é inerente a uma democracia sujeita ao escrutínio da lei, para mais com autonomia administrativa e financeira e património próprio, conforme decorre da lei orgânica do Banco de Portugal. E se, como me parece estar demonstrado à saciedade, este tem falhado consistentemente, de forma tão objectiva como rotunda, na consecução daquela que é uma das suas duas missões essenciais (a promoção da estabilidade do sistema financeiro), não é menos verdade que o estatuto de inamovibilidade do Governador e de independência da Instituição que ele governa devem ser defendidos a todo o transe e contra todas as tentativas de ingerência política – e sobretudo partidária.
As tentativas de ingerência aparecem agora – hélas! – por parte dos partidos de vocação totalitária, para os quais as barreiras legais e os escolhos de natureza formal e estatutária são um detalhe inconveniente que se afasta com uma varredela rápida – tão rápida quanto dissolver o Conselho de Finanças Públicas quando não agrada o que ele diz. É natural. São partidos habituados a desvalorizar minudências dessas e a usar criativamente o conceito de democracia, suspendendo a sua aplicação quando conveniente.
Mas se António Costa embarcar nesta viagem de atropelo aos mecanismos legalmente consagrados e às regras de bom governo das Instituições, cedendo ao Bloco e ao PCP, que resolvem a questão do Governador de maneira simples (despedindo-o), é bom que tenha consciência que já não é só a credibilidade do sector bancário, perante os órgãos internacionais, que fica em causa.
É a credibilidade do país e do seu Governo que jamais se salvará. É a credibilidade de Portugal – de Costa a Costa.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.