Como ninguém se tem cansado de lembrar, há dez anos, por esta altura, tinha início a crise financeira que começou com o incumprimento do pagamento das prestações de casas por parte de beneficiários de empréstimos subprime, que desvalorizaram essas propriedades e os produtos financeiros a elas associadas, conduzindo à falência de bancos como o Bear Sterns ou o Lehman Brothers, excessivamente expostos a esses produtos que de repente toda a gente descobriu não terem qualquer valor.

Meses mais tarde, ao preparar o seu livro sobre os investidores que tinham apostado que iria ter lugar uma crise do mercado imobiliário, que evoluiria para uma grave crise financeira e que fizeram uma fortuna quando se verificou que estavam correctos (The Big Short), o jornalista americano Michael Lewis foi a Dallas conversar com um tal de Kyle Bass, gestor do Hayman Capital.

Segundo Lewis, Bass estava já nesse momento a pensar na crise seguinte: os governos dos países ocidentais haviam tomado para si os riscos corridos e as perdas sofridas pelos seus bancos e instituições financeiras, implicando obrigações gigantescas que se juntavam ao já significativo volume de dívida que esses Estados tinham contraído. Enquanto a bolha do crescimento económico assente neste mesmo endividamento que dela dependia (uma pescada-de-rabo-na-boca financeira) não rebentasse, esses Estados não teriam problemas.

Mas, dizia Bass, quando finalmente explodisse, não só alguns desses Estados não poderiam mais endividar-se a preços comportáveis, como não tinham meios para pagar a dívida que já estavam obrigados a pagar. Como se viu depois, o homem estava cheio de razão.

De facto, nas inúmeras evocações da efeméride nas últimas semanas, foi pouco notado o facto de uma crise financeira nos EUA ter originado uma crise dos títulos de dívida soberana, não dos Estados Unidos mas de países europeus, e menos ainda se reflectiu acerca da razão pela qual tal aconteceu.

No caso da Irlanda ou da Islândia, tudo se explica pela excessiva exposição ao mesmo tipo de produtos financeiros que deitaram abaixo os bancos americanos; mas no da Grécia – ou deste nosso Portugal – a razão esteve no facto de estes Estados (ao contrário dos EUA e outros parceiros europeus) terem perdido a confiança dos seus credores e potenciais financiadores na sua capacidade de cumprirem as obrigações em que tinham incorrido.

No fundo, achavam que os títulos de dívida soberana da Grécia ou de Portugal não tinham crédito (no verdadeiro sentido da palavra), e por isso, recusaram-se a dar-lhes crédito (no outro sentido da dita).

Como não poderia deixar de ser, houve quem tenha aproveitado o aniversário da crise de 2008 para prever a próxima. Os optimistas do costume, com a cegueira que os caracteriza, gozaram com os “catastrofistas” que acertam sempre na crise seguinte porque estão sempre a prevê-la. Não se apercebem os optimistas de que os catastrofistas só o conseguem porque há sempre uma crise à espera de acontecer, mais tarde ou mais cedo. Os catastrofistas podem errar na sua previsão acerca do que a provocará, mas acertarão sem dúvida no facto de que irá, mais tarde ou mais cedo, ocorrer.

E quando essa crise vier, Portugal estará novamente mal preparado para lidar com ela. O governo PSD/CDS só na retórica fez reformas estruturais. Na prática, deixou intacto o estatismo que herdou, e só a falta de dinheiro o obrigou a ser mais responsável com o Orçamento. Com a economia mundial a crescer, o actual Governo não tem as mesmas limitações, e por isso pode ser mais generoso com os seus dependentes.

Por causa da irresponsabilidade destes governos (para não falar dos anteriores) o país deve hoje mais dinheiro do que devia em 2008, e só a bonança da conjuntura internacional impede esse valor de representar uma mais elevada proporção do PIB. Quando (e não “se”) a tempestade a substituir, e a economia portuguesa abrandar tanto ou mais do que a dos seus vizinhos, essa realidade vai-se inverter, e de novo os credores duvidarão do crédito do Estado português.

Dez anos depois do início da “Grande Recessão” é triste verificar que, por causa da incapacidade ou falta de vontade de sucessivos governos para reformarem o país, Portugal continua a não poder senão viver de crise em crise, intermitentemente aliviado das inerentes agruras pela efémera prosperidade dos outros e o que dela salpica para nós. É triste, mas não menos real por isso.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.