A transição de sociedade rural para urbana, assente nos serviços e na indústria, foi célere. No espaço de uma geração, milhões deixaram as suas aldeias de nascença, os amigos, os rios não poluídos, a vida marcada pelos ciclos da natureza, da agricultura e dos animais, para vir habitar nos subúrbios e trabalhar nos empregos criados por uma economia aderente da EFTA, primeiro, e da CEE, depois.

Pelo meio, o desafio de participar no esforço de guerra colonial, pagando com as suas vidas e com incapacidades permanentes, aquilo que os políticos do tempo do Estado Novo não tiveram a vontade e o talento de resolver. Nunca, mesmo nunca, um pequeno país se tinha envolvido em três frentes simultâneas de guerra.

Eles que, pela sua capacidade de trabalho, entrega, estudo e sacrifício, foram capazes de desencadear um processo de desenvolvimento económico que fez de nós um caso de sucesso, de transição de uma economia pobre para outra de desenvolvimento médio-alto. Foi este esforço que permitiu o Estado Social, modelado nos exemplos nórdicos, começado na Primavera marcelista e consolidado na democracia.

Foram eles que aforraram e permitiram que os seus filhos pudessem estudar nas universidades e perseguir o sonho do elevador social. Não obstante todos aqueles que se achando dotados de direitos dinásticos, lhes procuraram cercear a ambição e ascensão.

Foram eles capazes de enquanto sustinham, com o seu sacrifício e sangue, um regime caduco, operar uma transição democrática que foi um caso exemplar de moderação, no campo político.

A estes heróis que, sem guerras civis, foram capazes de tanto, existe uma geração que tem que lhes agradecer. A minha e a do leitor.

A estes heróis não fomos capazes de dedicar os recursos e o tempo para lhes proporcionar uma velhice tranquila e com qualidade. Deixados em lares onde falta pessoal médico e de enfermagem, onde os auxiliares não têm treino e qualificação, foram os nossos heróis deixados em regime de confinamento quase permanente, indefesos quando deveriam ser protegidos. Entre aberturas, breves, seguidas de encerramentos, longos, a visitas sempre curtas em duração e com distância física, ficaram os nossos heróis impedidos de abraçar, beijar ou ver os seus entes mais queridos.

Aos mesmos heróis que defenderam as infraestruturas, as cidades, os caminhos e as matas insondáveis de Angola, Moçambique ou da Guiné, a estes mesmos recusamos que decidam qual o nível de confinamento que querem ter. A estes recusamos um abraço, uma cápsula de café ou uma saída para vir apanhar sol. A estes heróis, tratados como dispensáveis, devemos muito, mesmo muito.

O grau de civilidade de um país afere-se, também, pela maneira como tratamos estes heróis. Os nossos pais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.