1. Todo o mundo ou quase se encontra de quarentena.

Uns quantos de quarentena mais suave. Outros de quarentena mais drástica. Uns cantam no início da quarentena, às janelas ou varandas de casa, como se viu em Itália. Outros, como em Portugal, alinharam na onda de solidariedade continuada às 22 horas para com as pessoas da saúde que no terreno combatem o novo vírus, com gestos de luzes e cânticos nas janelas e varandas.

Até Trump, na sua guerra política com a União Europeia, impõe-lhe uma quarentena nas ligações transatlânticas e declara a situação de emergência nos EUA, quando pouco antes “via” tudo a correr maravilhosamente. E agora quer o exclusivo da vacina. Trump é um daqueles políticos muito “ajuizado e coerente”. Tudo e o seu contrário cabem no “saco da sua lógica”!

E nem faltou a gafe monumental de Christine Lagarde numa conferência de imprensa –ou, como em bom português se diria, meteu o pé na poça quando – ao dizer que o agravamento do prémio da dívida em Itália, no contexto do coronavírus, não era matéria para o Banco Central Europeu. Na passada quarta-feira teve de corrigir e intervir de emergência no resgate das dívidas de Itália e Espanha. Começa a haver saudades de Mario Draghi.

2. Mas, afinal, o que é a quarentena e de onde terá surgido esta palavra?

Quarentena está muito ligada a quarenta (quarenta dias). Mas afinal não é tão precisa. Varia no coronavírus, com o tempo que se julga ser o período de incubação. Cerca de duas semanas. Não sei se alguma base científica sustenta este tempo médio, embora em situações anteriores que vamos sabendo, também a cara e/ou a profissão determinaram outro tempo ou tempo nenhum de quarentena, perante circunstâncias de pessoas exactamente iguais.

Parece mais problemático ajuizar quando terá surgido a quarentena.

Ninguém sabe, mas na Peste Negra foi muito usado o termo. E nos tempos dos descobrimentos também se praticava com esta ou outra designação. No regresso a Portugal, os marinheiros das naus portuguesas costumavam ficar uns tempos (de quarentena) ou na cidade da Praia, na ilha de Santiago, Cabo Verde, ou na Madeira, para não trazerem as doenças para a metrópole.

3. Leigo no vírus em si, já não direi tão leigo no modelo do sistema de saúde que deve nortear a sociedade, e esta situação de epidemia/pandemia em particular ou como a economia vai reagindo aos efeitos desta grande perturbação da vida social, pelo que vou andar mais por estes dois temas importantes.

Antes, porém, não posso deixar de referir a interessantíssima “teoria da conspiração” com gente tão singular como António Barreto que escreveu (“Público”, 15/03/2020) “os responsáveis pela pandemia e por esta loucura gerada à sua volta são os chineses, o respectivo Governo, as suas Forças Armadas, os seus industriais e os seus comerciantes”. Ou então, a teoria oposta de que foram os americanos que levaram o vírus para a China para a impedir no seu progresso económico e tecnológico e, desta forma, pelo menos atrasar a sua entrada em lugar cimeiro no contexto mundial dos países.

Não conheço nenhum nome em Portugal que possa contrapor a António Barreto. No exterior, bastantes, alguns chineses, como não podia deixar de ser, mas não por razões de convencimento, como parece ser a situação do autor do artigo do “Público”, mas de luta política e diplomática global.

4. Sobre os sistemas de saúde, e também não centrado nas medidas e no momento oportuno da tomada de decisão pelos governos ou Chefes de Estado e menos ainda no estado de emergência, vou cingir-me à natureza do sistema de saúde.

Sobre a natureza do sistema de saúde, dois pontos:

  • Quem deve comandar, bem ou mal (de preferência, bem) em cada país, o processo de ataque à pandemia?
  • Será através dos mecanismos de mercado que os doentes do coronavírus se sentem protegidos?

Sobre o primeiro ponto podemos criticar o tempo e as medidas tomadas, mas todos estarão de acordo que compete aos governos e aos respectivos departamentos de saúde. E tenho observado que, em Portugal, a grande maioria aponta o primeiro-ministro para a frente de comando, posição que tem vindo a assumir, sem deixar “no escuro/secundarizar a ministra e a Directora-Geral da Saúde. Em minha opinião, a distribuição de trabalho tem sido exemplar e bem temperada.

Já quanto ao segundo ponto, os arautos do entusiasmo liberal na saúde e em outras áreas, como o ensino, estão contidos e agora até exigem tudo do Sistema Nacional de Saúde, o que pode e o que não pode.

Nem falam dos custos dos testes em laboratórios privados, nem do “despacho” que alguns hospitais privados têm dado a doentes infectados, enviando-os para os hospitais públicos. Têm receio de que se percebam os efeitos, nesta situação, de um sistema de saúde privado que defendem.

O sector privado, é sabido, responde aos fluxos de procura com o aumento de preços. Ora, numa situação de tamanha gravidade como esta, quantas pessoas ficariam pelo caminho, sem tratamento, se fosse esse o sistema a vigorar? Não nos esqueçamos da polémica havida, recentemente, sobre se os seguros pagam ou não os tratamentos do coronavírus. Deve estar salvaguardada naquelas letrinhas pequeninas que ninguém lê e que lhes dá toda a margem de arbitrariedade de decisão em prejuízo dos segurados.

Até Trump teve de recuar e aceitar uma espécie temporária de Obamacare, que tanto tem combatido e destruído, sob pressão da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, que ameaçou a Casa Branca, no sentido de aceitar um processo comum de ataque ao vírus. Trump cedeu com receio de perda de posição, incluindo no Senado, onde o Partido Republicano impera.

E a conclusão parece ser clara: apenas com um serviço público de saúde de nível nacional o país poderá assegurar a protecção a todos, pois só ele tem recursos e poder legal para coordenar os recursos humanos e materiais, incluindo os privados e coloca-los de forma planeada ao serviço das pessoas. Mas a questão de fundo é a dos arautos do neoliberalismo sobre a privatização da saúde – até Trump teve de inflectir!

5. A globalização da economia e o desenvolvimento desigual dos países e a sua especialização fez com que uns se tornem mais determinantes nas cadeias de abastecimento que outros. E se estes países “gripam”, gripam em cadeia muitos outros. O mesmo acontece nas empresas e nos sectores mais globalizados.

Um dos países que se tornou determinante em toda esta mudança do quadro económico mundial desde os anos 80/90 do século XX foi a China, como aqui mais de uma vez se referiu. Como principal país exportador do mundo, as medidas tomadas na China no ataque ao coronavírus atacaram as cadeias de abastecimento a nível mundial, provocando várias paralisações ou fechos temporários de unidades empresariais por todo o mundo.

Numa segunda fase, as medidas de ataque ao coronavírus nos diferentes países – com a agravante de um desfasamento no tempo – têm levado à quase paralisação das economias, o que provocará uma recessão profunda de difícil previsão.

A esta situação acresce a guerra do crude entre o Kremlim e a Arábia Saudita, produção versus preços. Mais um problema não previsto com repercussão negativa no mundo e nos países produtores de petróleo, incluindo os EUA e talvez por causa dos EUA.

Assim, as economias deparam-se com um quadro bem negro.

As medidas de índole económica e financeira, tomadas pelos países e instituições internacionais, têm sido insuficientes e tardias. Muitas nuvens negras abundam no horizonte. As pessoas temem a perda do seu emprego e, sem dúvida, muitos postos de trabalho irão desaparecer e o futuro será outro. A organização do trabalho tenderá a ser diferente.

Afiguram-se futuros difíceis e tanto mais consoante a fragilidade das economias dos países. E embora o principal objectivo seja a salvaguarda da vida humana, uma gestão criteriosa dos gastos não pode deixar de desempenhar um papel crucial.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.